segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Desmembrando uma frase



Entre aqueles dentes claros como as teclas brancas de um piano, uma frase escorregou pra fora de sua boca surrada de batom com a elegância de uma valsa e a alegria de uma criança. Ela disse:

- Meu bebê, eu te amo.

E todo o universo continuou igual - A lua afastando-se da terra cerca de 3,8 cm por ano. Os redemoinhos de marte e seu tom avermelhado. O telescópio Hubble passeando pela órbita do nosso planeta. Saturno com suas 34 luas ...

Na Terra tudo também continuou igual - Homens fazendo promessas de fim de ano que não irão cumprir e que não irão se sentir mal por isso. Mulheres mentindo a idade e a numeração de seus sapatos de bico fino. Pessoas indignadas com seu governo por terem apenas a participação simbólica do 'voto', e serem obrigados, em uma democracia, a escolher entre meia-dúzia ou seis. Advogados pagos para comprar a liberdade do ladrão. Adolescentes deslizando seus polegares em seus smartphones pelas ruas. Jovens sonhadores, olhando para o céu e buscando inspiração no brilho de uma estrela no céu já falecida, pois ela provavelmente já morreu há muitos anos, e o que eles vêem é apenas uma velha fotografia guardada nas profundezas do porão de lembranças que valem a pena serem observadas e revividas.

Nada mudou!

Ainda assim ele sentiu a honestidade e o amor naquela frase. Um desatento ficaria impossibilitado de observar o tom que ela pronunciou cada palavra.

O pronome possessivo 'Meu' ela disse como se fosse um palavrão, uma coisa indizível. Ela sabia que escravizar uma pessoa põe prazo de validade em qualquer paixão. A liberdade é a cola que gruda dois corações, e tirania é a água quente que separa a penetração de cachorros que fazem amor em plena luz do dia em ruas congestionadas, trazendo dor no que deveria ser um momento de ecstasy.

O 'Bebê' saiu desajeitado, atropelando a seriedade do momento. Mas isso fez ele sorrir. E um riso é sempre bem-vindo em qualquer momento da vida.

O 'Eu' foi tímido, e ela sussurrou como se fosse uma prece, um segredo que todo mundo já sabe.

As duas últimas palavras, 'Te Amo', ela disse em um tom corajoso, quase mágico! Como se aquele frase milagrosa ressuscitasse cada estrela morta no céu, distribuindo inspirações para jovens sonhadores que não se cansam em acreditar no poder das estrelas.

E então tudo mudou na vida daquele homem, e nada permaneceu igual no universo daquele rapaz.

Hoje ele gira na órbita do esmalte daqueles dentes brancos, ajudando a borrar aquele batom de gosto de baunilha.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Partido Das Crianças.



Meu sobrinho, de seis anos, certa vez entrou na sala com uma tristeza nos olhos e uma esperança surrada no colo. Deu pra reparar que ele ainda estava memorizando uma pequena frase, pois ele olhava para cima e mexia um pouco os lábios, como alguém que anota mentalmente um número de telefone e fica repetindo baixinho, como em uma prece, para pode decorar. E disse:

- Titio, passou agora na TV que vai haver outra guerra, e que essa pode ser a última que o planeta pode suportar. A moça do jornal disse também que dois presidentes discutiram e agora eles vão destruir nosso lar. Ela também disse que esses chefes de estados têm enormes exércitos, mas jamais brigam suas próprias batalhas, eles apenas assistem.

Eu mal pudia acreditar na indagação política do meu sobrinho de seis anos...

Ele continuou:

- Tio, uma vez no treino de futebol o capitão do outro time me deu um carrinho por trás e eu caí feio no chão. O time inteiro ficou revoltado! Então eu me levantei, arrumei a braçadeira de capitão no meu braço esquerdo e sorri gentilmente para ele, e isso acalmou todos os outros dez jogadores do meu time. Ele também foi diplomático - apertou minha mão, se desculpou e sorriu, e isso fez os outros dez jogadores do time dele sossegar. Acho que no fundo nós dois sabíamos que se a gente fosse brigar, o jogo iria acabar e a torcida não ia gostar nada disso.

"Grande metáfora", pensei comigo mesmo.

E continuou:

- Sabe, tio, as vezes o que eles precisam é de uma atitude mais amistosa: dar as mãos, sorrir e ter a consciência que a braçadeira de capitão - ou a faixa de presidente -, significa ser responsável pelo time inteiro - ou o país todinho -, e que depende da atitude deles não acabar com o campeonato - ou com o próprio mundo.

Ele saiu da sala desapontado com seu governo.

E foi a partir desse momento da minha vida que eu comecei a pensar em um mundo governado por crianças.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Talvez o amor seja isso; IX



Vindo em minha direção, seus tornozelos pareciam um pouco indecisos e meio preguiçosos. Seus joelhos te davam um andar atrapalhado, e eu ainda acho um pouco de graça quando lembro. Com certeza seu espelho te enganou dizendo que aquela calça de jeans desbotada e um pouco folgada te caía bem. Com seus ombros largos ficou bem evidente o fato de você sempre tentar se diminuir, se limitar ou se esconder. O tom da sua voz foi a razão de eu entender o por quê de seu endereço de e-mail cafona; e ainda que você comemore o seu trigésimo aniversário, vai ser impossível não te achar menininha se ainda permanecer o calmo, melódico e meigo som da sua voz de garotinha. O aparelho em seus dentes não impedia você de gargalhar bem alto, e apesar de esconder o branco-pálido de seus dentes tortos, esse riso gordo deixava ver o lume cristalino do seu coração e a transparência da sua alma.

Mesmo com toda imperfeição que meus olhos pudiam pescar, sua áurea brilhou forte, cegando meus olhos. Então eu comecei a enxergar com o coração.

E então de pertinho, eu percebi que à cada pergunta minha que você respondia sorrindo, seus olhos buscavam o teto e depois deslizavam para a esquerda, para o lado que busca as lembranças do cérebro - e isso só quer dizer que toda palavra que saia da sua boca era uma memória, algo vivido, uma verdade. Mais perto ainda eu senti o seu cheiro e, porra, como era bom. Era o mesmo perfume de um bom livro que ninguém jamais leu. Um pouquinho mais perto eu segurei seu queixo pontudo e cavei com ele uma saída dessa prisão sem grades que eu mesmo construí dentro de mim, a prisão de um velho amor. Essa árvore fez uma sombra nesse deserto quente, e foi abraçando essa nogueira que eu decidi amarrar minha rede e dormir um sono leve para me tornar um onironauta e fazer nós sermos reais em um sonho lúcido, na dúvida da gente ser apenas uma fantasia em um realidade maluca.

Mais perto ainda eu te beijei.

E te amei.

Hoje seu andar de mulher é decidido, firme. Hoje, mesmo sabendo que, com certeza, seu reflexo será gentil com seu ego, você já não precisa confirmar sua beleza diariamente no espelho; você já acorda com essa certeza. A parte metálica do seus dentes, agora alinhados, sumiu e eu tenho até saudade dele - eram como para-raios para a eletricidade do meu beijo. O riso, o tom gentil da fala e a áurea límpida continuam iguais.

De longe eu desejo seu beijo

E ainda amo você.

Talvez o amor seja isso; perceber que a estrutura molecular renovou todo o seu corpo e eu ainda continuo amando igualmente a sua essência, o que realmente importa. O próprio motivo que se dá o primeiro beijo é o que o impede que se torne o último.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Prisão Diastema





O olhar perdido cor de neon. Ela as vezes olha para o nada e sorri sozinha, como se lembrasse de uma piada ou soubesse um segredo sobre a vida que ninguém mais sabe. É um sorriso que nasce no canto do lábio, vai crescendo e cria forma. Ele emerge daquela sombra de invisibilidade e, de repente, esse riso meio rouco de mulher vira o norte de toda bússola masculina que tenta encontrar um sentido naquele olhar misterioso, gentil e distante. É tanto sentimento que exala dessa risada ímpar - alegria, simpatia, aventura, harmonia, afeto, fidelidade, amor e um pouco de saudade. Tudo junto! -, que todos acabam extinguindo suas melhores piadas só para ouvir um pouco dessa melodia, como se esse esforço fosse um ingresso para ouvir um pouco mais de 15 segundos da sua banda predileta, e claro que sempre valia a pena. A vontade unanime é laçar o riso dela e dar uma volta com ele por toda a praia; ao pôr-do-sol, ouvindo um reggae e batendo o dedo indicador de leve no baseado para a cinza fazer um rastro de alegria, indicando o caminho de volta no qual ninguém trilhava. O hálito que perfuma essa gargalhada tem uma chuva de feromônio bem pertinho do céu da boca dela, e isso é imã para homens de bem, com a áurea saudável, e assim eles vão flutuando em fila indiana em direção à superfície do seu beijo salgado e abrasador, um beijo nativo à caiçara.

E eu, despretensiosamente, me vi desejando esse riso e esse beijo como meus feriados pessoais, sentindo uma aspiração de ter essa garota como minha companheira perpétua. E foi assim que fiquei preso para sempre no pequeno intervalo entre seus dois dentes da frente, onde todos apelidaram com um eufemismo gentil de Prisão Diastema. A rebelião existe dentro dessas duas barras de porcelana brancas, porém a exigência é sempre ficar enjaulado um pouco mais nesse lar aconchegando e congestionado. A febre desse impulso é tão encorajador que transforma qualquer mortal em um obcecado, e foi exatamente isso que me fez jogar a chave fora. Deslizei gozando no esmalte desses dois dentes livres de cáries, e isso fez minha fé crescer na casa da certeza, certeza absoluta que já não é uma escolha minha estar ou não ali, é um destino já escrito em linhas tortas por mãos trêmulas. E basta à mim aceitar.

Então eu aceitei.

Aceitei o meu destino.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

11/12/13




Essa ordem crescente de datas provavelmente só irá aparecer daqui a alguns anos. Mais uma raridade passou de baixo do bigode da sociedade e ninguém reparou. Um panda andando de patinete, fumando cachimbo e fazendo contas matemáticas absurdas; ninguém viu! Quantos cheques foram assinados e ninguém enxergou? Quantos cabeçalhos foram preenchidos e ninguém percebeu? Eu acordei e senti. Abri o olho e vi. Para mim foi mais um dia especial. Foi um dia sem cigarros e bebida, sem fornicação ou masturbação. Quase um irmão oblato! Sem mentiras, frequentando academia, evitando café e pornografia. Enxuguei essa data rara feito uma esponja seca, porque sei que essa raridade só irá reexistir daqui uns cem anos, na data de 1º de fevereiro de 2103 - 01/02/03, e eu sei que vou estar podre dentro de um caixão qualquer.

E você que leu essa merda toda que escrevi e balançou a cabeça, aplaudindo em silêncio o que eu acabei de escrever, eu tenho uma notícia pra você: Foda-se, sua burra(o)! Você tem que aproveitar todo os dias, porque todo o dia é improvável, é uma improbabilidade de acontecer. É raro! Se você decidiu estereotipar de raro uma ordem crescente de datas só porque acontece com um intervalo de tempo muito farto, então pense no seguinte: O dia de 12/12/2013, o hoje, não vai acontecer nunca mais! 

Talvez você já esteja enterrado num caixão podre.






Eclesiastes 3

11- Ele fez tudo apropriado a seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez.

12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.

13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho, é um presente de Deus.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aptidão para idiotice.




- Já que a ama tanto então vá atrás dela, jovem.

- Não posso, sinto que não mereço.

- Jovem, você explode portas que já estão abertas, sabia disso? O que ela acha dessa situação?

- Na verdade, senhor, ela me ligou me perguntando exatamente isso. Acho que ela bebeu demais e questionou o por que não fui atrás dela até hoje...

- Então, no caso, você acaba explodindo portas onde nem sequer existem muros! Você é um perfeito idiota, sabia disso?

- O que posso dizer? Eu tenho essa aptidão para a idiotice.

A auto-culpa e o não-merecimento transformam em algo demoníaco o que devia ser dos deuses, algo angelical e divino. É como ter um belo quadro pintado e depois surrá-lo com tinta branca, voltando tudo sem vida, sem cores, sem paisagem. E então tentamos buscar desculpas tolas em alguns versículos da bíblia, pichações em muros ou em refrões de músicas antigas para não receber esse presente que nos foi dado pela vida com tanto amor e carinho. E diferente daquele esmalte que você perdeu no seu quarto bagunçado, quanto mais se procura, mais você acaba achando.

Dezembros



01/12 - O calendário do escritório, pela décima-primeira vez, virou uma folha que representa um mês do ano. E assim Dezembro chegou incrivelmente tímido, chuvoso e sonolento, como de praxe.

05/12 - Deixei de ir ao show de uma das bandas que mais gosto por causa de uma epifania pessoa para um crescimento espiritual. Foi incrível.

17/12 - Meu aniversário! Viva! Provavelmente vou me embriagar com meus amigos mesmo caindo em um dia de semana. Vou receber algumas ligações desejando paz e amor, alguns abraços entregando essa paz e esse amor e algumas mensagens no Facebook que não vão fazer o menor sentido e que não irão significar porra nenhuma. Mas a noite vai terminar bem, provavelmente com um boquete e com um sono bem leve - minha cabeça e minha ociosidade de fim de dia repousando devagarinho na volta de um ombro feminino e de braços largos, enquanto meu dedo indicador brinca com a auréola rosada de um seio firme e com marcas de piscina ou praia.

24/12 - A ceia em família. A tão aguardada véspera de natal. É justamente nessa época do ano que todos começam a fazer secretamente promessas que jamais irão cumprir, e que não vão se incomodar por não honrá-las à risca. É incrível como essa harmonia cosmética e exagerada me faz ficar enojado e emocionado em um ritmo impressionante. Ao mesmo tempo que um grande abraço acontece entre você e o seu vizinho que mal conhece, você é capaz de economizar alguns reais no amigo-oculto para bancar a despesa que só você contribuiu. - "Mãos de vaca!" - você pensa de uma maneira sigilosa enquanto abraça seu primo folgado e seu cunhado sacana.

25/12 - Cristo nasceu, o peru morreu e a missa é do galo! Mas de alguma forma o velhinho com uma cara simpática e roupas vermelhas está no comercial do horário nobre e nos sugestiona a comprar, comprar e comprar. Papai do céu saiu de sua casa nas nuvens e andou entre nós nos ensinando coisas boas como: ajudar o próximo, amar seu inimigo, ser caridoso e a abraçar prostitutas, mas eu acabei comprando uma calça da Calvin Klein e um smartphone da Samsung - malditas propagandas!

31/12 - Último cigarro, última bebida, última carreira de cocaína, último baseado. Vida nova e blá blá blá..

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Querida Karen, X

 22 de novembro de 2073.
Querida Karen,

Ps: Quero te contar uma história.

Eles se abraçaram durante muito tempo e todo mundo no parque percebeu que a saudade e febre naquele abraço se transformou em um triste consolo de um caminho não percorrido, uma história não vivida. O afago nas costas era o esfregar de uma lâmpada mágica e ambos pediriam a mesma coisa: uma segunda chance ao tempo, à vida.

 - Quanto tempo - disse o velho, sorrindo gentilmente. - Não te vejo há uns mil anos, porra!

A velha sorriu da combinação cômica entre a hipérbole e xingamentos que o velho costumava deixar escapulir de sua boca. Ele sempre exagerava - em cigarros, doses, vontades, drogas, sexo, músicas... O rosto da velha era uma folha de pergaminho amassada, e perfurada por dois olhos sem emoção, seu olhar era uma estrela pálida e triste em um céu cinza com nuvens carregadas.

- O que aconteceu com a gente? - disse a velha, carregando um pesar custoso e desajeitado.

- Parece que o amor não foi suficiente para nós. Acho que foi isso. - respondeu o velho, tentando dividir aquela tristeza em duas partes desiguais e, depois, tentar carregar a maior delas em segredo. - Já faz muito tempo...

 - Mas foi muito sentimento, foram muitas sensações e a mais forte delas era o amor, certo?

- Sim. Mas a neve, a depender do sol, acaba reduzido a uma simples lágrima de tristeza. Um choro sincero e incrivelmente melancólico.

- E o que derreteu nossa pista de gelo?

- Você sabe.

- Você ainda sente?

- O quê?

- Você sabe!

Ele riu um riso rápido, escondendo seus dentes. Foi um riso nasal, apesar de ser honesto.

- Sim. Ainda amo você, sempre vou amar. Ontem você morreu de tanto amor, e o amor em mim não morre por causa de tanto ontem.

- Você me traiu, Rodrigo. - ela disse isso num tom de início de irritação e desprezo. - eu te amei demais e você mentiu para mim. Como o pior dos bandidos, você me roubou a verdade. Você me enganou...

Dessa vez ele gargalhou um riso sofrido e alto. Ele mostrou todos seus dentes e o som abafou o monólogo repetitivo e cansativo de sua ex-namorada.

- Eu nunca enfiei meu pau em uma boceta que não soubesse o seu nome, sobrenome ou como eu te pedi em namoro naquele gramado escondido. Escrevi pra você durante oito anos, mas talvez meus textos sejam apenas umas obras de arte e só tenham algum valor depois que eu morra. Eu errei, como um bom ser humano que sou! E não foi algo que você não tenha perdoado em outros tempos, se é que você me entende. E se alguém traiu nessa história, essa pessoa foi você! Você cantava nossas músicas por aí enquanto eu repreendia a moça que me chamava daquele apelido bobo que você me deu. Você disse que caiu de algum lugar mais alto que eu, mas caiu no colo de outra pessoa. O único machucado dessa história foi eu! Você disse que tinha aquela preguiça de começar uma história de amor novamente, e algumas semanas depois eu te vi de mãos dadas com alguém que beijava sua barriga saliente e desfilava com um sorriso paterno bonito, de dentes brancos e presunçoso por aí, por todos os lugares.

O velho se permitiu que uma lágrima passeasse pelo seu rosto durante um momento. Depois continuou:

Por favor, não se esconda atrás do meu erro, não mais! Chega! Meu coração, durante um longo tempo, foi uma cama de solteiro e tinha o seu formato e tamanho, e durante bastante tempo ninguém dormiu lá à não ser a sua ausência, a saudade que sentia de você e o amor que eu guardei em vão junto com todas as nossas músicas que ouvimos e todos os filmes que não assistimos. Eu te ofereci algo para sempre e você sabe disso.

Ela  sussurrou algo que ninguém entendeu e depois lançou um olhar para o nada, tentando visualizar mentalmente essa mesma história se tivesse trilhado um caminho diferente, se tivesse reconstruído a velha estrada ao invés de abrir uma trilha incerta no desconhecido, só por vaidade, por bobagem. Mas era muito tarde para jogar o jogo do "e se", então ela o abraçou de novo, com a mesma tristeza de antes, e foi embora para sempre.

Ninguém disse nada, mas todos no parque de alguma forma sabiam que o velho ainda troca o lençol de leito diariamente e dobra, sorrindo, o pijama sobre a cama todos os dias antes de ir dormir apertadinho com a ausência do grande amor da sua vida.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Querida Karen, IX - friday the 13th





Sexta-feira,13 de Setembro de 2013.
Querida Karen,

Você sabia que a sexta-feira 13 só acontece quando o dia 1º de cada mês cai em um domingo? E que Jesus Cristo morreu na sexta-feira da paixão e, no tarô, a carta de número 13 representa justamente a morte? Começamos a namorar exatamente em uma sexta-feira 13, o dia do azar. Pois é, eu andei pesquisando e sempre é a mesma coisa. Chega a sexta-feira 13 e então, na TV, Jason Voorhees anda por aí com sua máscara de hóquei, carregando um facão em uma das mãos e com uma sede estúpida e inevitável de vingança. Karen, a história dessa filme diz que ele nasceu em 13 de junho de 1946 e foi afogado no lago de um acampamento no dia 13 junho de 1958, a sexta-feira em que faria 13 anos - que pena! A mãe de Jason, Pamela Voorhees, resolve se vingar e em um momento de fúria mata dois conselheiros e mais sete monitores, porém uma moça consegue escapar e consegue decapitá-la. De alguma forma Jason vê sua mãe sendo morta mesmo estando morto e isso é que gera toda sua revolta para matar todos que vão ao maldito lago, no maldito acampamento em cada maldita sexta-feira 13 que vier pela frente - Karen, no final das contas é tudo por uma mulher, tudo por um sentimento, tudo por amor. Confesso que senti um pouco de dó desse filho da puta!

Quanto a mim, Karen, eu insisto em renascer todo dia, de domingo à domingo, para esse amor. Eu digo que sou um pouco mais perseverante que o Jason, já que ele apenas revive sua causa por amor em suas miseras sextas-feiras 13. E então me vejo andando por aí com flores de papel em uma mão, e o meu próprio coração na outra, em uma forma desesperada de não acreditar nesse azar que eu mesmo circulei no calendário. E acredite, Karen, também é por um sentimento, também é por amor. A diferença entre nós é que eu já deixei minha máscara cair já fazem anos, e que em vez de morte eu quero a sua vida! E então eu me vejo tão bobo, tão ridículo que acabo guardando um pouco de pena para mim mesmo também, querida Karen.

Unfaithfully yours,
Rodrigo.

sábado, 26 de outubro de 2013

Talvez o amor seja isso; VIII

Duas flores conversavam.

Uma linda rosa vermelha e uma flor de papel branco.

A rosa disse:

- Sou conhecida como a rainha das flores e, no Egito, eu sou dedicada à grande deusa Ísis. Na mitologia grega, a deusa Afrodite me deu de presente para o seu filho Eros, o deus do amor. Eu estou em jarros de casamento representando a solenidade de um momento tão raro. Minha beleza e perfume simbolizam o amor. Exibo a paixão em buquês de dia dos namorados e, em camas de lua de mel, eu sou um coadjuvante que segura a escada para o romance subir até às estrelas do prazer. Muitas vezes sou um ombro amigo, pois em enterros eu acalento almas tristes e choronas. Posso afirmar que sou a melhor entre todas as flores.


O Origami respondeu:

- Eu sou para todo o sempre.

Talvez o amor seja isso; menos vaidade, menos prazo de validade e mais longevidade. Talvez o amor seja uma dízima periódica, um infinito, um horizonte, o céu, o 3.14159265359...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Talvez o amor seja isso; VII



Uma mulher, semi nua, de cabelos loiros e encaracolados deslizava preguiçosamente nos braços de um homem forte, com uma armadura rasa e escassa. Ela repousava o olhar para sentir cada toque grotesco do rapaz. Ele a fitava e a submissão naquele olhar o excitava. O peitoral de ambos tinha a saliência sexual que exteriorizava o desejo e o prazer de uma perversão no meio da floresta, em plena natureza. Esse casal selvagem estava pintado em uma garrafa plástica vazia de catuaba, jogada no canto do quarto junto com dois copos sujos, um cinzeiro cheiro de quimbas e um maço de cigarro quase vazio.

O quarto perfumado com cigarro acolhia dois jovens embriagados e felizes. Eles comemoravam o nó reatado, a volta. A farra era a prova que a vida sempre dá uma segunda chance. E então o amor calçou seus velhos sapatos e andou sorrindo por aí, admirando ioiô-ioiôs e bumerangues, sussurrando por gestos a frase: "tudo que vai, um dia volta."

O rapaz, feliz e completamente apaixonado, só queria demonstrar todo seu amor de uma maneira mais sexual e violenta. O vestido florido dela já estava no chão, e ele beijava a barriga dela com vontade, descendo bem devagarinho. Depois de envernizar todo o tronco daquela macieira magra ele ficou surpreso quando a moça disse:

- Não, meu bem, hoje não. Por favor? - implorou a negação de uma vontade que ela mesma tinha.

Ele deixou escapar um riso desacreditado.

- Eu não lembro há quanto tempo estamos de casados, mas depois de tanto tempo, meu bem, eu sei que só existem dois motivos nessa vida que fariam você desistir de uma trepada de reconciliação.

Ela sentiu brasas por toda a maça do rosto.

- O primeiro motivo seria por vergonha. - disse o rapaz, sorrindo um riso bobo. - Você está peluda igual uma macaquinha, amor?

- Não, seu bobo! Olhe você mesmo. - e tirou a calcinha. - Lisinha como você adora, Rodrigo.

- Então sobra apenas o segundo motivo, você está de chico?!

- É, o sinal está vermelho - ela disse desapontada.

Ele riu de novo. Como se o riso fosse uma corda para falar, um impulso, uma necessidade natural como respirar.

- Não para mim, eu vou amar você o mês inteiro à partir de hoje. Foda-se a cor do sinal! Estou a 200 km/h e estou sem freio. E nesse momento estou derrapando em todas as suas curvinhas magricelas. Não vejo, graças a Deus, um acostamento cheio de mato para amortecer minha queda, pois hoje eu quero ver é sangue, muito sangue! - dessa vez ele gargalhou até perder o fôlego, era o aplauso ruidoso da própria piada, muito engraçada por sinal. Depois ele refletiu e disse:

- Eu te amo em todos os períodos da sua vida, meu bem, e vou fazer você gozar em todos eles.

E então ele enfiou, gentilmente, dois dedos dentro dela. Enquanto ele mordia a própria boca em um sinal mentiroso de capricho e cuidado, ela tinha uma cara de preocupação, mesmo que exagerada. Ele retirou seus dedos disfarçados em pinceis e aquela tinta vermelho-ocre-escuro, que banhava o indicador e o dedo médio, escorria viva, em gotas. Como em um ritual indígena, ele pintou o rosto do lado direito, fazendo duas listras retas e gordas na bochecha. Depois repetiu o rito e lambuzou todo o lado esquerdo, copiosamente. Na terceira vez, ele fez um coração em sua própria testa.

Então o rapaz, banhado em sangue feminino, abriu bem a palma de sua mão esquerda e a lançou em sua boca que gritava, abafando o som. Repetiu isso algumas vezes e dançava ao mesmo tempo, feito uma festa de uma tribo nativa para pedir chuva para a aldeia, ou adorar o deus-sol de algum povo aborígene selvagem.

Ela sorriu um tímido riso e tentou esconder os dentes. Ela olhou a garrafa vazia, os cigarros amassados com força dentro do cinzeiro, os copos sujos, viu seu vestido florido deitado de uma maneira apressada no piso do quarto. Ela observou o vento alisando devagar a cortina branca de rendas leves, soprando um assobio musical e rítmico pela janela daquele quarto imundo e sentiu no fundo de sua alma que estava acontecendo, ali mesmo, um daqueles momentos que você se lembra pelo resto da sua vida. Fez uma prece silenciosa e agradeceu a Deus por isso, qualquer deus.

- Seu bobo, eu te amo - disse ela.

- [...]

E ele tinha sua própria maneira de responder.


Talvez o amor seja isso; fazer de um dia qualquer um casamento, e do reatar, um inesquecível programa de índio.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Sonhos


- .. e mais, também foi revelado usando pontas de barbantes queimados, o metal de obturações de dentes precários e os pisca-piscas de natal. E então foi incrível e maravilhoso, foi mágico! Acordei suada, agitada e, por mais bobo que seja, acordei uma pessoa diferente, Rô. Acordei com uma ideia nova, como se eu tivesse passado por um momento de epifania, entende? Despertei com uma lágrima de felicidade no olho, e também com um olhar diferente. Consegui experimentar cada ponto doce do êxtase e enxergar todos os detalhes que dão vida a uma fantasia. Quase morte, quase vida. Rô, agora tudo o que tenho a fazer é encontrar um livro que traduza o significado desse meu sonho lindo e ver o que realmente ele quer dizer.

- Como assim? - disse.

- Oras, preciso ter certeza.

E se, por algum motivo ou acaso, Deus tivesse esquecido de colocar a palavra 'Amor' na bíblia? Será que essa garota desacreditaria do amor?

- Mas você já não sente, lá no fundo?

- Sim, mas preciso ter certeza, absoluta certa! Entende, Rô?
  
Como se pelo simples fato dela duvidar de seus medos, o monstro deixe de existir de baixo da sua cama durante a noite.

- A confirmação de uma fé ou a resposta de um sonho não estão traduzidas em um livro, elas estão cravadas no fundo de nossas almas. Basta sentir. Não abra um livro que tente determinar o ilimitado, abra seu coração. Sonhos são uma janela para a sabedoria, e o jardim inteiro é o verbo sentir. Então penas sinta, sinta o perfume das flores.

domingo, 20 de outubro de 2013

Ora, cale-se !



E então o silêncio entre o casal permanece, e isso não é ruim. A responsabilidade da conversa a torna preguiçosa e chata. É preciso ter intimidade com o sentir para absorver, feito esponja, a prece calada que a mudez tem a oferecer. Pessoas tem aquela maneira de sempre ter algo a falar, as vezes deixando escapar pequenos segredos, apenas para evitar o desespero e pavor da ideia de um silêncio constrangedor. O beijo, o cigarro depois do sexo, o pôr-do-sol e a flor que desabrocha, eles obsoletam essa praxe barulhenta e sem sentido que é a necessidade de sempre ter alguma coisa a dizer. Os prazeres da vida são um sussurro baixinho, abstrato e gentil, e não um condicionamento pavloviano sobre reflexo, estímulo e resposta. O grito é o socorro ou a raiva, o silêncio é a paz ou a reza.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Não existe amor em BSB ♪



O ponteiro menor do relógio da praça da cidade mirava para o 11. O mormaço presenteava acúmulos salgados de água em buços femininos, que eram limpos com as costas das mãos de mulheres apressadas que passavam por ali. Homens ansiosos tentavam disfarçar as rodelas de suor que encharcavam a parte da axila de suas camisas claras. A cidade estava distraída, e talvez por isso ninguém tenha reparado na fonte; ela chorava rios d'água e o sol banhava todas elas, porém as mais solitárias delas frutificavam um fenômeno óptico incrível: o arco-íris. Alguns moradores de rua calçavam sandálias menores que seus pés e pediam ajuda, mendigavam sempre ágeis e rápidos - pela comida ou pelo cigarro. A fome e o vício tinham pressa, mas isso não envolvia um casal de cegos. Eles conversavam baixinho, feito uma prece, e sorriam um para o outro. Eles tinham calma, dançavam valsa, sempre atentos ao som, ao tato, ao cheiro, e sentiam o prazer de não serem amaldiçoados com a visão - ela é enganadora, ela te trai. Cupidos decepcionados jogaram fora seus arcos e flechas, e se aposentam. O amor é uma piada. Amores à primeira vista são impossíveis nesse mar de tecnologia, a cidade está muito ocupada deslizando seus polegares nas telas de seus smartphones.

O cego pegou na mão de seu arco-íris.

Ela deu um riso gordo.

E eu descobri que a mola propulsora para o desamor é a desatenção e a falta de tempo para nós mesmos.

sábado, 12 de outubro de 2013

AFEITO

Acordei duas horas antes de ti e repousei meu olhar sob teus pequenos cachos e tua pele que exala a quantidade exata de melanina que eu necessito. O dia anterior tivera sido teu aniversário, e mais uma vez você estava com outra pessoa toda a noite, e mesmo assim, eu fraca como sou perante você, aceitei dormir contigo. Não consigo descrever o que se passava em minha mente naquela manhã, e não posso afirmar que fosse algo exatamente bom. Insisti em me lembrar desde o primeiro beijo até aquela foda algumas horas antes, que poderia ser a última, e que de acordo com as pessoas que insistem em me aconselhar, já deveriam ter deixado de acontecer há algum tempo. O observei nessas duas horas, buscando em meus pensamentos descobrir onde te perdi, onde você esqueceu aquela reciprocidade e aquela vontade de estar junto que havia quando começamos, e procurei entender que realmente era tudo muito bom pra ser verdade, os apelidos, o parque, o cinema, o sexo, o beijo, tudo é infinitamente inesquecível, mas em algum momento que não consigo saber qual foi, eu te perdi. Reconheço que tudo pode ter sido exatamente por minha culpa, porque eu tenho algum distúrbio que faz eu me afastar das pessoas quando começo a me apegar demais, pode chamar de medo, ou pode chamar do que quiser, mas sei que não sou de tudo culpada, pois se tivesse sido tudo tão inesquecível e novo como você insistia em falar, você não teria deixado ir tão fácil. Somos dois covardes, com medo de qualquer envolvimento maior que o sexo, e por isso eu vivo uma infelicidade momentânea sempre que me lembro de nós. E não paramos, e não vamos parar tão cedo, porque apesar do mal que você me causa, o bem ainda insiste em ser maior. Eu ainda sinto arrepios com sua respiração, e só de ouvir tua voz sinto uma vontade insana de te arrastar pra um canto e te fazer um daqueles boquetes caprichados que te deixam desnorteado. Sinto-me uma drogada, viciada, dependente, mas eu não quero me curar, quando quiser você saberá.



Autora Desconhecida kk

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Estação

Era pra ter mudado meu dia, minha semana, minha vida; mas só mudou a estação.

Seja bem vinda, primavera.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Talvez o amor seja isso; VI



Os quadros estavam tortos e as cortinas desarrumadas. As fotos do casal feliz nos porta-retratos estavam jogados pela sala, em cacos. A TV estava desligada e nela refletia uma mulher sentada no chão e soluçando, cansada de tanto chorar. Ela usava um vestido florido verde banhado por lágrimas de tristeza, e uma de suas alças estava despencada assim como seu casamento. Havia também um homem com um cigarro aceso entre os dedos com um olhar perdido na aliança de ouro que destacava em sua mão esquerda. A cinza do cigarro estava acumulada nas pontas em forma de ponte, já fazia tempo que não recebia um trago - e isso significava que o fumar foi um ato meditativo para o rapaz. A agulha do rádio apontava o meio do marcador e deixava sair de si um som baixinho e deprimido. O cômodo era palco do término.

A mulher catou fiapos imaginários em seu vestido florido, depois deixou seu olhar escorregar de lado e se viu sendo carregada nos braços por um rapaz alto usando um terno preto com uma flor branca no bolso na altura do peito. Na mesma fotografia ela usava um vestido longo de noiva em cetim e renda com Xale, com pequenas imperfeições que demonstravam que foi bordado por nobres camponesas.

Ela chorou mais ainda lembrando do dia de seu casamento.

Ele também olhou o retrato e se lembrou dos votos, do beijo, da felicidade. Depois disse:

- Foi o dia mais feliz das nossas vidas.

Ela não disse nada.

Ela se levantou jogando o cigarro de lado e a pegou no colo, como no retrato.

Os dois olharam para a foto e viram rostos felizes.

- Na alegria e na tristeza, lembra ? - Disse o rapaz.

Talvez o amor seja isso;  um vagonete de trem. E não importa se a manete é empurrada para cima ou para baixo, o impulso é sempre em direção ao mesmo lugar: para o final feliz.

O breu



O breu engoliu o meu quarto feito uma garota gorda com apetite, e eu senti os olhos dele me cobrirem como um cobertor gelado e desconfortável. Enquanto me esforçava para não abrir meus olhos, eu pudia sentir ele parado no canto da parede, encolhido, com os olhos arregalados de terror e ódio. O olhar dele pesava sobre mim, como uma puta que grita sem vontade pra satisfazer desejos que não são seus. O calafrio do meu corpo parecia alimentar seu apetite e eu me esforçava, em vão, tentar mostrar uma coragem que não tinha em estoque ali, naquele quarto escuro, dentro de mim. Meu pé escapuliu do cobertor para dias frios, e eu, por um momento, quase senti suas mãos banhadas por um suor frio, como alguém que ameaça cócegas - você sente antes mesmo que os dedos te alcance! Engoli minha própria saliva para matar a sede, pois meu medo era maior que meus instintos de satisfação primário. Me cobri até a cabeça, como se meu cobertor fosse um escudo, e apertei forte os olhos. Bem, ele ainda não foi embora. Eu sinto! Ainda escuto ele tropeçar pela madrugada fazendo pequenos barulho pela casa, a maçaneta da porta ainda tenta um giro fraco de vez em quando e as vezes meu cachorro cego fica parado no pé da porta do meu quarto observando atento a escuridão de seu mundo, deixando sair um rosnado melancólico enquanto suas orelhas ficam em pé de prontidão e seu rabo caído de medo - o que indica que seja lá o que for que ele está olhando, não tem um olhar amigável e, com certeza, não está com uma bolinha nas mãos.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

1975



É novembro de 1975 e a gasolina é barata. No rádio toca o novo álbum do Pink Floyd - Wish You Where Here - e, no mês de abril desse mesmo ano em alguma garagem dos Estados Unidos, nasceu a Microsoft. Foda-se! Estou em um ônibus de número 157 e no letreiro está escrito "Belo Horizonte" em letras grandes, brancas e gordas. Durante a longa viagem, anarquistas exibidos e trabalhadores exaustos ainda discutiam sobre o fim da guerra do Vietnã. Lá no fundo do ônibus, madames e idosas senhoras comemoravam discretamente e discutiam em um tom abafado o por que de 1975 ter sido eleito o Ano da Mulher pela ONU, e crianças imitavam seus pais da maneira mais masculina que pudiam reunir, porém em um tom zombeteiro e divertido. Está abafado. Lá fora a umidade consegue surrar o vidro dianteiro com força, formando pequenas gotas d'água e obrigando o motorista a ligar o limpador de parabrisa de vez em quando. O dia adormece amargo e lento pela minha janela sem fendas. Em uma época de chuva, o sol se pôs pragmático e oco, como um funcionário que bate o ponto mais pelo prazer da saída do que pela benção de se despedir de mais um bom dia de trabalho. Em 26 de novembro de 1975 o sol não morreu sendo o protagonista de uma peça teatral, ele apenas desmaiou desajeitadamente sendo um coadjuvante desassistido e envergonhado, um figurante cinematográfico despedido por falta de talento. A bochecha do céu corou num triste tom de vermelho ocre, e foi assim que eu soube que o dia não nasceria de novo para nenhum de nós alí naquele maldito ônibus 157, com letras brancas colorindo de sem vida o nosso destino ceifado pela morte certeira. A noite chegou fazendo um doce cafuné e a maioria das mulheres e crianças agora dormiam. O ônibus se transformou em um grande berço balançado por mãos que apagam a luz quarto e da nossa alma assim que adormecemos. - e espero que ao sair do quarto, gire a maçaneta com força e devagar, ao mesmo tempo, para não fazer muito barulho. A chuva de Novembro pousava num ritmo acústico e macio no teto frágil do ônibus, e eu senti a magia tomar conta dos homens, que agora estavam calados. Eles olhavam através do vidro embaçado pelo clima frio e se sentiam estranhamente confortáveis. Olhavam também para os desenhos que algumas crianças fizeram na delicada vitrine, no qual a morte resolveu comprar todos de uma vez só. A chuva caia mais depressa e pesada agora, e eu tive uma impressão, aliás foi quase uma certeza, de que os homens estavam tentando reunir alguns votos e promessas de fim de ano que não cumpririam jamais e não se sentiriam mal por isso, assim como eu também não. E esse foi o último pensamento que tive antes de adormecer e não acordar mais.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Querida Karen, VIII


 14 de Agosto de 2013.
Querida Karen,

A raiz do seu cabelo tem um tom castanho-amadeirado, um pouco escuro, que vai deslizando pra um forte fim de tarde ensolarado até chegar na metade. Percorrendo o restante de cada fio, eles mergulham numa cor chá-de-erva-doce e permanecem assim, clareando cada vez mais até chegar nas pontas. O tom degradê do seu cabelo é uma flor margarida dentro de um universo de dourado, e eu me sinto o menor dos planetas, tentando achar uma brecha para girar na órbita do seu penteado com uma franja, Karen, a mesma franja que você própria corta em segredo no banheiro, em frente ao espelho, depois de conferir duas vezes se a porta está de fato bem trancada. Karen, me despeço do seu cabelo sabendo que ainda lembrarei daquela sua blusa regata com um desenho engraçado e meio desbotada, da sua calça do Chaves com marcas de cabides e do cheirinho bom da sua cama, que já contribuiu tanto para a minha felicidade e prazer. Escrevo meu adeus diferente dos vilões de historinhas em quadrinhos, que dizem seus terríveis planos infalíveis antes mesmo de colocá-los em prática, antes mesmo até de começá-los. Karen, não estou escrevendo uma possibilidade, estou escrevendo um fato. Adeus.

Quanto às pelúcias, elas ainda decoram minha cama. As fotos ainda dão o ar da graça nos quadros, e as cartas ainda estão acumulando poeira dentro da caixinha de sapato rosa que mora no alto do meu guarda-roupas. Nossas músicas estão nos rádios e o nosso sexo existe apenas em lembranças, desde o seu aniversário e você sabe, Karen.

Quanto ao tempo, Karen, eu digo que meu coração era um cimento fresco, onde você colocou seu pé e sua alma por querer, enquanto corria por aí vivendo sua vida. Bem, ele se consolidou e pode passar anos e décadas, e ele ainda continuará moldado à você pela a eternidade.

Karen, quanto ao amor, eu digo que ele tem a mesma força de vontade da sua franja. Por mais que eu tente cortá-lo, em segredo, no banheiro de bares ou motéis, ele volta a crescer, estuprando minha visão e me forçando a enxergar somente seu lindo cabelo loiro.
  
Com amor, 
seu gatinho, seu ridículo, seu bem.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

bon vivant




O homem desenhava os três últimos números de seu telefone num guardanapo. Ele parou por alguns segundos e massageou seu bigode malandreado, fingindo não saber seu próprio telefone de cor, pintando de desleixo e desmazelo seu truque teatral que sempre dava certo. Ele sabia que todos o obervavam. Ele olhou em volta com seus óculos escuros pesados e sentiu que era anônimo, e sorriu tentando contar imaginariamente quantas vezes teria feito a mesma cena em bares diferentes. O homem virou para a platéia e seu cotovelo fincou no balcão do bar, era o alicerce que suportava seu enorme corpo. Seu ombro relaxava desigual e o cigarro, aceso entre os dedos, sublinavam a ideia de rebeldia, charme e elegância. A sola do seu sapato fazia uma marca de sujo no balcão, ele estava fazendo pose - e todos admiravam isso. Ele vestia um terno preto listrado na vertical e uma camisa social impecavelmente branca por dentro. A gravata borboleta preta e o lenço vermelho, que jamais seria usado, enfeitavam o vestuário do enorme rapaz. Ele tragou o máximo que pode e fingiu sentir a lembrança arrombando sua cabeça. Ele pigarreou forte, sorriu e deixou que o lápis de olho da garçonete escorregasse no papel mole e branco, pintando os três últimos números de seu telefone. Com o papel, o homem fez um origami de flor e margulhou no decote da moça ao seu lado. Depois de beijar a mão da moça numa prece gentil, bebeu o resto de sua cerveja sabendo que todos ali no bar ainda o olhava com pupilas dilatadas e sombrancelhas desacreditadas. Ele garantiu mais uma boceta no cardápio, mais um abraço quente em noites frias. Ele era aplaudido silenciosamente por todos, inclusive pela moça - e ele sabia disso.

domingo, 11 de agosto de 2013

Talvez o amor seja isso; V



- Papai, você morreria por mim?

- Não.

- Papai, então você mataria por mim?

- Claro que não, filhinha.

A filha já estava bastante desapontada com seu pai. Ele não parecia aquele herói de filmes natalinos. E tentou num profundo ato de desespero descobrir até onde seu pai iria por ela, seu dengo. Ela queria um gesto que comprovasse o amor de seu pai por ela.

- Droga, papai. E o que você faria por mim?

- A primeira vez que eu te vi, filha, foi como se meu coração batesse fora do meu peito. Eu não preciso matar ou morrer, eu dedico cada segundo da minha vida a você. Eu vivo por você, filhinha.

A filha sorriu contente e satisfeita.

Talvez o amor seja isso; a certeza que a verdade de pai é imã para um sorriso sincero de filha.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Querida Karen, VII



05 de Agosto de 2013.
Querida Karen,

Descobri em fotos e em memórias que você tem várias risos. Então comecei a numerar e separá-los por ocasião;

Seu quinto sorriso é um riso amargo, como alguém que tenta fazer cócegas em si mesmo. Geralmente você entrega ele de bandeja em bares, dispensando rapazes por falta de paciência em explicar o por quê de você não querer dançar aquela música sertaneja universitária com um estranho bêbado.

Seu quarto sorriso é um riso de lembrança. Ele te clareia quando você encosta a cabeça no travesseiro ou enquanto olha os carros pela janela do ônibus. Karen, esse riso vem sempre acompanhado de um suave inclinação de cabeça, para cima e para baixo, e essa é você aplaudindo silenciosamente seus bons momentos.

Seu terceiro sorriso é um riso musical. Karen, esse riso te abraça quando você está lavando aquela montanha de louça e de repente a agulha do som para em uma música do Cazuza. E então você disfarça a esponja em forma de microfone e cantarola durante o seus deveres domésticos. Esse riso te carrega no colo no chuveiro quando você tem uma tarde sossegada e feliz ao lado de quem você gosta.  

Seu segundo sorriso é um riso familiar. Seja nas raras vezes que sua mãe te dar razão, seja quando você vê o seu pai soltando uma gargalhada sóbria. Esse riso, ele é quase um obrigado aos céus por fazer chover bençãos no farol que te ilumina, te protege e te guia.

E, querida Karen, seu primeiro sorriso é aquele riso ímpar que só maquiava seu rosto quando eu estava por perto e te beijava na boca, enfiando a língua no seu nariz feio.
Unfaithfully yours,
Rodrigo.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Cafajestes



Vocês, garotinhas, são sugestionadas a acreditarem que um dia o patinho feio irá se tornar um belo cisne, que a fera se tornará um príncipe - mas é conversa fiada, é mentira! E é por isso que vocês se entregam para o primeiro cafajeste de fala mansa que encontram em suas vidas, acreditando que um dia a fama de bom moço lhe acorrente pelos ovos, deixando pra trás todo cheiro de boceta e cigarros. O bom moço é um folclore criado por virgens e por gordas. E é com essa esperança que vocês morrem sufocadas e matam os cafajestes asfixiados. Cafajestes se sentem uma puta traficando orgasmos cosméticos pelas esquinas dos seus sonhos, deixando tudo mofar, pois, depois de algumas noites eles já não se sentem tão disponíveis como pensavam estar na semana anterior. E então os amores eternos acabam na rapidez de uma inocente paixão de verão e vocês, garotinhas más, azedam e desacreditam do amor. E é exatamente por isso que os cafajestes pararam de procurar a garota dos seus sonhos, hoje eles se deleitam com qualquer uma que lhe façam um bom boquete, lhe façam dormir um bom sono ou lhe façam ficar acordado a noite inteira em qualquer transa embriagada. Mas os cafajestes não são os verdadeiros culpados por partirem corações por aí; na verdade a vida fode eles, e ela não tem pena e nem é seletiva. Por trás do bigode ralo, do gel do cabelo, do cigarro entre os dedos e do extenso cardápio telefônico, existe uma triste história de amor que ficou ereta e fodeu o rabo de muitos cafajestes por aí! Toda garota deveria saber que cafajestes são à prova de metamorfoses. Os cafajestes jamais trocam aquela marca de cigarro predileta ou o lado que o pinto descansa na cueca. Em outras palavras, garotinhas: Quando suas mamães forem contar alguma historinha pra vocês, olhe bem no fundo do olhos dela e diga, dando ênfase em cada palavra: - "Vá se foder, velha mentirosa!"

terça-feira, 23 de julho de 2013

O beijo de Jane Mag



J. Mag, em 11 de junho o outono ainda soprava o vento que derrubava as últimas folhas que ainda restavam nas árvores, elas caiam pelas calçadas e ruas da cidade. Enquanto folhas secas passeavam de acordo com a brisa do vento, eu te beijei, Jane M. Foi um beijo generoso e excitante. Pousar minha boca em seus lábios foi como lamber uma pilha. Não foi pela sua sobrancelha mal-feita, nem pelas suas manchinhas em suas costas, muito menos pelos seus olhos verdes ou pela sua pele negra. Me apaixonei pelo seu beijo, Mag. Esse é o motivo que me faz agir como um cão tentando agarrar a própria cauda e improvisar passando saliva nos cantos cinzas do meu corpo. Estou perdido e vulnerável. Não foi pelo seu cheiro bom, nem pelo seu hálito morno, muito menos pelo seu boquete aconchegante impecável. Você conseguiu desarmar essa bomba com um simples beijo, Jane, e agora tudo o que eu quero é pegar o seu beijo e dar uma volta com ele por aí. Mas o inverno chegou dia 22 de junho no hemisfério sul, trazendo o frio e a saudade do seu beijo. Me pego patinando em direção a lembrança do seu beijo, sempre caindo em uma boca que não é a sua. Sinto falta do seu beijo. Jane, eu tenho que me desintoxicar do seu beijo, pois ele já não é uma diversão de fim-de-semana, hoje seu beijo é uma necessidade do meu dia-a-dia. Nem por sexo, nem por amor; Só pelo seu beijo, Jane Mag.

O time da promiscuidade.



- Só porque ela abre as pernas facilmente não quer dizer que não tenha dignidade - Ouvi Elaine justificando, tomando as dores de sua amiga, Hanna. Não houve suavidade em sua voz e ela fez questão que todos notassem esse pequeno detalhe  - Ou um coração pronto para amar!

- Mulher fácil é como um livro chato de cabeceira - disse João, do modo mais masculino que conseguiu reunir. - Você abre algumas páginas, lê um pouco e depois dorme debruçado em cima de suas folhas vazias e sem conteúdo.

Depois olhou para Elaine e disse:

- E se você defende tanto essa bandeira, por quê não joga nesse time, Elaine? Nunca ouvi uma história de alguém comendo esse seu rabo virgem.

Elaine não soube responder.

Hanna enxugou um dos olhos com as dobras da mangas de sua blusa de frio.

 João continuou:

- Não me leva a mal, Hanna, mas eu te comeria na boa. Você tem virilhas convidativas e a promessa de uma boceta aconchegante. Algumas taças de vinho e você tiraria a palavra "não" do seu vocabulário sujo. No outro dia, talvez você receba uma mensagem promíscua e vulgar. E só! Agora pare de chorar e vamos transar em algum banheiro público.

Hanna sorriu.

- Então o culpado são vocês homens, não ela - disse Elaine.

João coçou a testa, como quem alisa e organiza seus pensamento e disse:

- Engano seu, Elaine. A banalidade é o berço que durmo toda noite. Se sua amiga quer brincar de princesinha, então ela que vá subir na torre mais alta e fique longe de camas desconhecidas e pintos novos.

E continuou:

- E foda-se você, Elaine, porque a menos que você transe tanto quanto eu e a vabagundazinha de sua amiga aqui, você jamais verá a beleza de um sexo sem compromisso às quatro da manhã com duas pessoas estranhas e embriagadas, que você jamais voltará a ver de novo. Eu bem que gostaria de te comer também, mas você é do tipo de garota que espera uma ligação a noite dizendo coisas românticas, shekesperianas, e não tenho saco pra isso. Quando jogar no nosso time, o time da promiscuidade, me ligue.

E entregou um cartão para Elaine.

Ela não disse nada.

João agarrou Hanna pelo braço e saíram os dois pela rua.

A julgar pela pressa, pelo volume da calça de João e a mordida que Hanna deu em seu próprio lábio; aposto que vão entrar no primeiro banheiro público que entrarem pela frente.

Elaine guardou com carinho o telefone de João, mesmo jurando pra si mesmo que nunca ligaria.

domingo, 21 de julho de 2013

the waiting room




Sentado, eu leio mais uma revista enquanto aguardo minha vez. Sem guichê, sem controle. Não ouvi ninguém chamando pelo corredor e, mesmo assim, um moreno alto e bem vestido entrou por aquela porta enfeitada de amarelo. A porta loira, com ferrugens nas dobradiças, fez um ruído macabro de desuso musicado pelo tempo - não é sempre que ela se abre e deixa alguém entrar.

Uma moça de cabelos castanhos sentou do meu lado e comentou algo sobre o tempo, sobre o clima. Um rapaz me perguntou sobre drogas. Uma mulher de olhos verdes disse algo sobre o medo e o pôr-do-sol.

Olho para a porta loira. Fechada.

Todas essas pessoas, cedo ou tarde, acabavam entrando em portas diferentes, de cores distintas. O que tínhamos era apenas um relacionamento descartável. Uma conversa rápida de elevador. Um aperto de mão nervoso, na poltrona durante o pouso do avião, um conforto mútuo. Uma rápida conversa sobre futebol enquanto a moça prepara o churros. Um papo furado na fila do banheiro.

Sem calendário de modelos femininos, sem relógio pendurados na parede.

Dou outra espiada rápida na porta amarela. ainda fechada!

É a sala de espera da vida; uma carta, uma mensagem, uma show, um abraço, um beijo, uma visita, um bebê, uma purificação, uma epifania, um salário, um bom-dia, o almoço, uma viagem, o pão quentinho, o leite fresco, um telefonema, um amor. Sempre tem alguém esperando algo.

A espera mede o tempo ao seu próprio modo.

A porta abre, vi alguém sair.

A porta amarela e enfeitada fica entreaberta.

Um homem uniformizado conversava com as pessoas. Ele usava um crachá com letras ilegíveis, estava copiosamente desgastado. Esse homem me fitou nos olhos, depois olhou pra prancheta em sua mão. Ele franziu o cenho, um gesto de incredulidade. Ele folheou as páginas e perguntou:

- Sr. Há quanto tempo está nessa sala de espera?

- Quatro anos, talvez. Espero o tempo que for necessário!

- Qual é a cor da sua porta?

- Amarela, aquela porta entreaberta.

- Por quê não entra em sua porta amarela?

- Assim sem bater?

- Peça licença.

- Não sei... Já olhei pela brecha...

- É algo incrivelmente nobre esperar esse tempo todo, mas é inadmissível não reagir com a oportunidade. Você esperou esse tempo todo e agora se esconde atrás desse medo ridículo?

Envergonhado, respondi:

- É, acho que sim.

- Acho que você se apegou a esperança e as revistas da sala de espera. Costuma acontecer. Você ensaia frases na frente do espelho do banheiro que nunca irá dizer. Acaba engolindo sonhos que nunca viverá. Você fez do sofá uma cama e agora esse tumor preguiçoso te impede de sonhar de verdade. Ridículo!

- Já disse que olhei e foi o máximo que consegui!

O homem espirou todo ar de seus pulmões bem forte, como quem desiste de empilhar cartas no vento forte. E disse:

- Olhar o agasalho da vitrine não te cobre do frio!

Enquanto catava os fiapos imaginários da minha blusa verde, vi de relance alguém entrando por aquela porta, a porta enfeitada, a porta amarela, a minha porta loira.

O ruído dela se fechando foi tudo que me restou. Parece ser o refrão da minha vida.

Consolação



às vezes, é tão importante sair do meu eu. Sair dessa minha enlouquecedora mente entupida de imensos vazios. às vezes, isto se torna tão necessário quanto qualquer luz do dia que clareia meus pensamentos mais obscuros. Preciso de um livro, uma música ou até uma mensagem de texto pra me distrair... Ou até este próprio texto. Para provar minha extrema dependência dessas palavras que clamam algum tipo de alívio. Alívio este que ando procurando pelas ruas mal frequentadas do meu presente, quem sabe do meu futuro e espero encontrá-lo no meu passado.

Por:  Fiorote, Erick.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Frase de cigarro




O cigarro pousava no relevo discreto do cinzeiro enquanto deixa sair de si uma fumaça densa que ia perfumando a atmosfera e colorindo, de cinza, o ar pesado do pequeno pub. Uma garrafa de vinho, pela metade, e dois copos de vidro descansavam na mesa do bar, e uma tinta vermelha de batom manchava a borda de um deles. Um casal. O moço vestia uma camisa social amarela com os três primeiros botões abertos, um cachecol e um tênis sem meia. Ele festejava. A moça escondia seu corpo com um vestido preto, óculos escuros e sapatos limpos. Ela estava de luto.

O rapaz deu um trago no cigarro e disse, entusiasmado:

- Volte pra mim, Karen. Eu tenho um plano. Nós poderíamos sair por aí, na minha kombi, descobrindo novos sabores e cheiros. Abraçaríamos a vida e sorriríamos para o amor, e assim o bom-dia para o carteiro seria mais sincero. Nós poderíamos fazer filtro dos sonhos para mastigar o pão e ter ressacas de vinho. E, em um dia frio, nós transaríamos na traseira da kombi sentindo cada vibração acústica do volume alto de Guns N' Roses tocando no rádio velho. E então a gente desenharia nossas inicias nos vidros embaçados pelo suor do nosso ..

A moça sorriu alto, cortando feito cerol o sonho do rapaz. Foi um riso perfumado de sarcasmo e incrivelmente maldoso. A expressão em seu rosto era a mesma estampada na face de uma miss-universo vendo sua concorrente cair enquanto desfila para os jurados. Puro deboche! Se um pensamento maléfico fizesse algum ruído, esse seria o som zombeteiro de sua gargalhada de gozação.

Ele tragou o máximo que pode e sentiu a tontura do exagero. Aquele trago nervoso grifou sua preocupação e expôs o ponto de interrogação em sua cara, como um marca texto colorido destacando aquela palavra desconhecida pelo leitor.

Ela se permitiu derramar algumas lágrimas antes de olhar no fundo dos olhos verdes do moço e disse, dando ênfase em cada palavra:

- Você vende sonhos que não tem em estoque!

Ela socou, com pressa, seus cabelos para trás do ombro direito, arrancou o resto de cigarro das mãos do moço, deu um profundo trago e deixou aquela mesma fumaça, densa e cinza, sair pelo seu nariz. Depois apertou forte o cigarro no fundo do cinzeiro, apagando todos os planos, todos os sonhos, todo o futuro e transformando a interrogação dele em ponto final para ambos!

A moça levantou e foi embora.

O moço bebericou o resto do vinho e fumou mais um cigarro.

terça-feira, 16 de julho de 2013

desabafo de um Velho



Minha vida passando tão rápido como avião,
não reparei o tanto que envelheci,
hoje paro e percebo quanto ainda me resta,
o quanto ainda não fiz.

Minha cabeça rodeia vários pensamentos
várias ideias novas, algumas velhas
paro novamente.

Sigo a mesma rotina, acordo, trabalho e durmo
algumas coisas diferentes, porém não foge o hábito.

Ainda penso que sou jovem para realizar certas coisas
porém o espelho me faz refletir no contrário.

Será que poderia ser diferente?
Será que eu errei em alguma etapa?

..

Certas ideias me vem na cabeça repetidamente,
O que será que é a vida? E o que fazer dela?
O que é viver realmente?

..

Porém, consigo ver, que pelo fato de se repetirem..
É que pelo meu modo de viver não encontrei a resposta.
E isso que mais me dá angústia,
de não ter a resposta de algo.

Irei morrer e com certeza não saberei a resposta.
Passei meus anos todos sem saber viver..
E por agora concluo que já estava morto quando nasci.

Por:  Martins, Ulysses.

domingo, 14 de julho de 2013

Sua blusa indiana vermelha




Naquela noite fria e sem nuvens, eu reuni alguns grãos de paciência e dedicação para colher pequenas flores coloridas e te entregar. Elas justificariam meu atraso e lhe trariam algum sorriso. E foi assim que eu te conheci, Júlia. Você estava usando aquela blusa indiana vermelha cheia de flores e eu pude sentir todo o perfume delas, como uma primavera particular, como um jardim só seu. Sua pele enegrecida por melaninas e a contrariedade do seu cabelo liso me fazem acreditar que você é a promessa de algo novo, Júlia. Percebi o seu olhar e vi a cor de grama nova e bem molhada, de algas marinhas que enrolam meus sonhos e espremem o melhor deles em um copo limpo como o dia. Dentro do miolo do seu olho verde, no quadro negro da sua pupila, eu vi desenhado o meu reflexo sorrindo um riso largo e gordo. Nós éramos espectadores da dança das águas. Era uma mistura de bailado com cores fortes, um arco-íris nadando no carrossel aquático. E ouvindo alguma música de protagonistas de novela, eu aproximei o meu rosto do seu e descobri como é bom te olhar de pertinho e sentir o cheiro do seu hálito morno. Seu olho deitou um sono leve, implorado silenciosamente um beijo, e então eu te beijei, Júlia. A mesma cor dos olhos, o mesmo signo. Seu jeito desengonçado de andar, sua alçada postura de sentar, seu jeito bem feminino de falar, sua mão sempre morta ao ar, sua voz de fazer amizades com cachorros e com bebês, tudo resumido em um beijo demorado, suave e sem pressa. Seu beijo foi a marca d'água para uma rua sem saída. Júlia, você tem aquele jeito de sempre terminar o beijo passeando sua língua pela minha gengiva, como uma assinatura pessoal, e isso me fez sorrir. E isso me faz querer orbitar na argola preta do seu piercing de nariz.

Hoje eu substitui as pequenas flores pelo pôr-do-sol, mas o atraso, o riso, a pele negra, as sensações, o cheiro, o hálito, o signo, o verde da grama, a música, a rua sem saída, o beijo e a língua na gengiva ainda estavam lá, junto com as flores e a primavera da sua blusa indiana vermelha que eu gosto tanto, Júlia.

sábado, 13 de julho de 2013

looking for

"Nem tudo que você procura 
é aquilo que quer encontrar,
mas você encontra 
no que você estava procurando."


Por:  Carneiro, Hyago.