sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Querida Karen, X

 22 de novembro de 2073.
Querida Karen,

Ps: Quero te contar uma história.

Eles se abraçaram durante muito tempo e todo mundo no parque percebeu que a saudade e febre naquele abraço se transformou em um triste consolo de um caminho não percorrido, uma história não vivida. O afago nas costas era o esfregar de uma lâmpada mágica e ambos pediriam a mesma coisa: uma segunda chance ao tempo, à vida.

 - Quanto tempo - disse o velho, sorrindo gentilmente. - Não te vejo há uns mil anos, porra!

A velha sorriu da combinação cômica entre a hipérbole e xingamentos que o velho costumava deixar escapulir de sua boca. Ele sempre exagerava - em cigarros, doses, vontades, drogas, sexo, músicas... O rosto da velha era uma folha de pergaminho amassada, e perfurada por dois olhos sem emoção, seu olhar era uma estrela pálida e triste em um céu cinza com nuvens carregadas.

- O que aconteceu com a gente? - disse a velha, carregando um pesar custoso e desajeitado.

- Parece que o amor não foi suficiente para nós. Acho que foi isso. - respondeu o velho, tentando dividir aquela tristeza em duas partes desiguais e, depois, tentar carregar a maior delas em segredo. - Já faz muito tempo...

 - Mas foi muito sentimento, foram muitas sensações e a mais forte delas era o amor, certo?

- Sim. Mas a neve, a depender do sol, acaba reduzido a uma simples lágrima de tristeza. Um choro sincero e incrivelmente melancólico.

- E o que derreteu nossa pista de gelo?

- Você sabe.

- Você ainda sente?

- O quê?

- Você sabe!

Ele riu um riso rápido, escondendo seus dentes. Foi um riso nasal, apesar de ser honesto.

- Sim. Ainda amo você, sempre vou amar. Ontem você morreu de tanto amor, e o amor em mim não morre por causa de tanto ontem.

- Você me traiu, Rodrigo. - ela disse isso num tom de início de irritação e desprezo. - eu te amei demais e você mentiu para mim. Como o pior dos bandidos, você me roubou a verdade. Você me enganou...

Dessa vez ele gargalhou um riso sofrido e alto. Ele mostrou todos seus dentes e o som abafou o monólogo repetitivo e cansativo de sua ex-namorada.

- Eu nunca enfiei meu pau em uma boceta que não soubesse o seu nome, sobrenome ou como eu te pedi em namoro naquele gramado escondido. Escrevi pra você durante oito anos, mas talvez meus textos sejam apenas umas obras de arte e só tenham algum valor depois que eu morra. Eu errei, como um bom ser humano que sou! E não foi algo que você não tenha perdoado em outros tempos, se é que você me entende. E se alguém traiu nessa história, essa pessoa foi você! Você cantava nossas músicas por aí enquanto eu repreendia a moça que me chamava daquele apelido bobo que você me deu. Você disse que caiu de algum lugar mais alto que eu, mas caiu no colo de outra pessoa. O único machucado dessa história foi eu! Você disse que tinha aquela preguiça de começar uma história de amor novamente, e algumas semanas depois eu te vi de mãos dadas com alguém que beijava sua barriga saliente e desfilava com um sorriso paterno bonito, de dentes brancos e presunçoso por aí, por todos os lugares.

O velho se permitiu que uma lágrima passeasse pelo seu rosto durante um momento. Depois continuou:

Por favor, não se esconda atrás do meu erro, não mais! Chega! Meu coração, durante um longo tempo, foi uma cama de solteiro e tinha o seu formato e tamanho, e durante bastante tempo ninguém dormiu lá à não ser a sua ausência, a saudade que sentia de você e o amor que eu guardei em vão junto com todas as nossas músicas que ouvimos e todos os filmes que não assistimos. Eu te ofereci algo para sempre e você sabe disso.

Ela  sussurrou algo que ninguém entendeu e depois lançou um olhar para o nada, tentando visualizar mentalmente essa mesma história se tivesse trilhado um caminho diferente, se tivesse reconstruído a velha estrada ao invés de abrir uma trilha incerta no desconhecido, só por vaidade, por bobagem. Mas era muito tarde para jogar o jogo do "e se", então ela o abraçou de novo, com a mesma tristeza de antes, e foi embora para sempre.

Ninguém disse nada, mas todos no parque de alguma forma sabiam que o velho ainda troca o lençol de leito diariamente e dobra, sorrindo, o pijama sobre a cama todos os dias antes de ir dormir apertadinho com a ausência do grande amor da sua vida.

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