domingo, 29 de junho de 2014

NBA



Sempre pensei ser um bom jogador de basquete, porém não sou. Percebo isso na quarta tentativa que faço de arremessar um papel, em forma de bola, no lixo perto da escrivaninha. A barba por fazer; o gelo derretido no whisky, tirando o sabor da bebida agora quente; as juntas dos dedos maciças de tanto serem estaladas; os olhos injetados, cansados; o coração vazio e sem propósito, amassado como todas as folhas descartadas ali no chão. Outra folha amarrotada no chão, na tentativa falha de acertar - a escrita e o lixo. Sem noite de autógrafos e nem NBA. Que fracassado! Um cara de 35 anos sem emprego, fumante e alcoólatra. Sem pais para pedir a benção e nenhuma namorada para propor um casamento. Patético! Depois de martelar mais algumas teclas da máquina de escrever, outra folha é lançada sem marcar pontos, e agora ela decora a sujeira no canto do meu quarto. Errei de novo, porra! Tentativa e erro. Bem poético, mas não é um bom delineador para quem tem maus olhos. Pela sexta vez eu tentei colocar meu coração em um papel em branco em forma de tinta, não consegui e, pior ainda: não fiz nenhuma sexta! Sou um péssimo jogador de basquete.

domingo, 15 de junho de 2014

Querida Karen, XIII





 Sexta-Feira, 13 de junho de 2014.
Querida Karen,
Casais ainda andavam por aí, tentando suavizar o frio com a febre de seus abraços. De vez em quando seus olhares se cruzavam e dali nascia um riso, era a forma em som de algum segredo do dia anterior - o dia dos namorados. Uma loucura, uma surpresa, um porre; eu sempre tentava adivinhar, feliz em saber que jamais conheceria o sabor daquela resposta. Era madrugada e os mais solitários juntavam as mãos em forma de concha, depois sopravam um hálito quente na fresta de seus próprios dedos nus, acompanhados do vapor no ar que nascia de suas bocas, uma névoa quente produzida pelo desamparo de um coração andarilho, triste e calejado, ou apenas fosse mais um puto que só esqueceu de comprar cigarros mais cedo. Um casal olhava atento uma vitrine no meio da praça: ele espiou cheio de desejo para o belo casaco - um consumista. Ela arrumou seus belos cachos, conferiu o batom e depois brincou com seu próprio reflexo - uma vaidosa. Os dois olhavam na mesma direção mas com intenções diferentes, pensei. Corações, bandeirinhas e fitas, em amarelo e verde, decoravam a cidade inteira, e nós, Karen, vimos o vento brincar com todas elas.

Você com seu perfume de maça e terra molhada. Um cheiro lindo que competia com o aroma do seu shampoo e com todas as flores do seu vestido amarelo. O bálsamo emanava da sua pele branca com a mesma invisibilidade da evaporação das águas do oceano e rios, com o mesmo encanto, com a mesma hipnose e com a mesma paz, e formando a mesma chuva potável que me dá a graça de continuar vivendo. Karen, você usava um único brinco de penas, e aquele colar que as vezes mergulha no seu decote discreto, brincando com a pinta do seu seio esquerdo. E toda vez que você sorria, Karen, você comportava seu cabelo dourado para trás de sua orelha sem brinco com seu dedo indicador e nesse momento eu tinha a certeza que a cada passo que eu dava em sua direção, eu tinha 360 graus de oportunidades.

Na porta do seu apartamento, você parou na soleira da porta, girou nos calcanhares, e disse:
- Boa noite, Hank. - fazendo o máximo de esforço para não parecer um convite.

E eu lembrei do seu riso se propagando com a ajuda do eco fortalecido pelos poucos móveis da sua sala. Lembrei do seu sutiã jogado no chão toda vez que a gente tinha aquela pressa em fazer amor. Lembrei que você me espiava, sorrindo, toda vez que me flagrava cantando Jack Johnson no seu chuveiro. Lembrei de você gemendo baixinho no meu ouvido, patenteando uma nova nota musical que ainda não existe.

- Eu consigo sentir seu esforço de sempre tentar estabelecer uma atuação que confronte um clima romântico entre nós, Karen.

- Você sempre foi mais talentoso do que dedicado em me fazer cair na sua cama e ter o meu amor, Hank, mas você sempre prosperou o caos.

-  E esse não é justamente um dos motivos que fazem um ex-casal sair por ai pra jogar conversa fora?

- Sim, mas também é o que faz você ser impossível de se conviver. Você nunca vai ficar só.

- Isso não quer dizer que não seja solitário.

- Hoje você é livre, Hank, aproveite isso.

- Liberdade é só mais outra palavra pra sentir saudades suas.

Você sorriu, gostando de cada acento dessa frase.

- Hank, eu ainda te amo, mas jamais vamos dar certo.

E foi nesse exato momento que você tirou o seu amor como se fosse um casaco, e depois pendurou num varal sem amarras.

- Não vamos fazer disso uma lição de vida, oras.

- E qual foi, então, o sentido de hoje a noite?

- Não foi para ferir, foi pra cicatrizar.

Você me olhou por alguns instantes.

- Boa noite, Hank.

- Boa noite, Karen.



Unfaithfully yours,
Hank.


Colei muita coisa hoje. Hoje o cérebro não participou com a criatividade. Hoje só o coração falou!