domingo, 31 de maio de 2015

i stay


Eu fico porque adoro o seu desmazelo com os próprios cabelos, eles refletem o jeito que você negligência a própria vida: uma bagunça, um caos, uma piada. Nunca usa maquiagens ou batons. O desleixo com aparência não fala, mas diz muito sobre você. E essa preguiça boa em fazer questão em não delinear a exterioridade desse corpo mortal e magrela, é o que me fez apaixonar por você. E quando eu acordo, de ressaca, em um quarto de hotel barato, e te vejo ao meu lado, eu agradeço a qualquer deus por sua beleza e adornos não saírem com água e sabão no primeiro lavar de rosto. É o seu cheiro, o seu hálito, o seu boquete, seu amor pelos animais, seu medo de sapos - e de príncipes também -, seu deslize por um cigarro de maconha, o formato da sua boca ao tentar engolir um riso, seu jeito com crianças, a forma como você fala sobre seu pai, o modo como você atende o telefone, seu hábito de dormir no mesmo canto da cama que eu gosto, a maneira como olha pro espelho sempre insatisfeita e disposta a não mudar nada em si mesma, o dom em falar com velhinhos, o talento na cama, a predisposição em nunca arrumar seu quarto, sua pressa de chegar e a preguiça de ir embora; é por isso que eu fico, não existe maquiagem para isso, nada sintetiza. E por isso, de novo, eu fico.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Efélides






[... O romance entre Romeu e Julieta durou apenas quatro dias, deixando seis mortos. Dante Alighieri conheceu sua amada, Beatriz Portinari, aos nove anos e a amou por sua vida inteira - a única tragédia foi que ele nem sequer a beijou nos lábios ...]

Seu nome é Marla.

Marla sentou ao meu lado, perto da piscina, e disse qualquer coisa que não prestei atenção. O olhar atento, como quem enxerga os sentidos e sente a rotação da terra. Ela não tinha aquela preocupação ou medo de espiar por cima do meu ombro, por curiosidade ou distração. Marla me olhava como se pudesse ver o seu próprio reflexo no fundo do círculo da minha íris - e eu me encantei por isso. Mãos pequenas, sem esmalte ou brincos, corpo magrela e uma incontestável marca de riso no rosto. Ela sentou um pouco mais perto e eu vi seu rosto pintado com sardas, de uma cor que faria Botticelli aplaudir. Seu hálito morno me dizia que já me viu por aí em algum lugar, mas o ruivo desbotado do seu cabelo me chamou mais atenção. E quando Marla bagunçou seu cabelo de ferrugem com a mão esquerda, depois olhou debaixo para cima e, logo em seguida, deu um riso sem motivo algum, eu só consegui pensar duas coisas: a primeira é que eu passaria o resto da noite fazendo chover minha saliva no céu da sua boca; e segunda é que eu não tinha tanta certeza que isso aconteceria. E não aconteceu. Marla levantou e foi embora, levando com aquele rebolado engraçado todos os planos que eu tinha com ela pelo resto da noite - ou da vida.


Alguns dias depois, Marla estava na minha cama tomando um drinque que ela mesma preparou - um trago de vodca, gelo e suco. Pura estática, energia, eletricidade. Falava sem parar, deixando escapar segredos. Carregava nas palavras a marca d'água da promiscuidade. A boca de Marla abrindo e se fechando, o rosto tampado por uma cortina branca com sardas, perfurada por dois olhos castanhos cheios de vida. O sorriso largo e gordo, umedecendo os próprios lábios ressecados. Os olhos já sentindo a embriagues no sangue. O suor mergulhando num deslize pra dentro de seu decote tímido. Uma música - não lembrou qual - injetou coragem e medi a distância entre nós, o suficiente pra saber qual seria o tamanho da mola propulsora que usaria para chegar até sua boca. Roubei um beijo de Marla, e ela assentiu silenciosamente, movendo a cabeça para cima e para baixo, de leve, afirmando uma resposta que eu nem sequer perguntei. Pura eletricidade, acertei. Beijar Marla era como lamber uma pilha.

[...]

A máscara de garota má escorregou em suas costas, e ancorou por lá. Marla é meiga, dengosa. Incrivelmente maluca e está sempre sorrindo, dizendo sim para todas as coisas. E quando o sinaleiro fica vermelho, Marla me beija e descansa todo o peso da coragem em ser quem ela é, no meu ombro.
Ainda não sei se foi o calor do nosso sexo que derreteu essa sua vontade de ir embora, ou se foi a flor de origami que te dei que converteu tudo em uma vontade boa de ficar - não me importa muito. Mas parece que Marla está mais leve. A armadura que usava para assustar, acabou sendo um escudo desapropriado pra quem não batalha mais contra si mesma. Eu venho em paz, e minha bandeira é o lençol cor-de-neve que você sujou de sangue na nossa primeira noite de amor.

Perto de nós, Romeu e Julieta viveram apenas um lance, e, Dante e Beatriz, tiveram apenas um flerte.