sábado, 7 de fevereiro de 2015

Caneta esferográfica azul


foto: ponta de uma caneta esferográfica azul.




Você assinou seu nome do jeito que eu sempre amei: A primeira letra num impulso involuntário, o restante redondo, concentrada, sem tirar o punho da folha, voltando apenas para cortar a letra T e pingar o I. E assim você assinalou todas as quatorze folhas - frente e verso - do nosso divórcio, com aquela caneta esferográfica azul.

[15 anos atrás.]

O pub estava cheio, como de praxe. Eu estava escrevendo um romance acompanhado de meus melhores amigos - um maço de cigarro e qualquer cerveja que meu pouco dinheiro podia comprar. Foi exatamente nesse momento que você entrou por aquela porta sem adornos. E foi nesse mesmo instante que eu deixei de escrever o meu romance para tentar viver um.

- O que está escrevendo? - você perguntou.

- Nada refinado ou complexo. Provavelmente está uma merda. Está tão pacato e simples. - eu disse.

- Sempre acreditei que a simplicidade fosse o último grau da sofisticação.

Me calei, sem graça. Passeei o olhar por entre minhas folhas jogadas, desorganizadas pela mesa.

- Mas e essa bagunça?

- Para combinar com o meu cabelo e minha vida.

Agora foi você quem se calou. Mas apenas por alguns segundos.

- Do que se trata? Aposto que é uma história de amor. - você insistiu.

- Claro! É sobre uma moça que faz perguntas demais para um escritor fracassado em um bar de quinta categoria e eles acabam ...

- Se casando? Se apaixonando?

- Transando.

- Engraçadinho..

Eu não sabia o que dizer. Você tinha esse poder de inventar uma nova estação do ano. De me deixar sem graça e me fazer sorrir ao mesmo tempo. Tinha esse jeito de passar a mão no cabelo para bagunçar ainda mais o seu penteado largado.

- Não quero te atrapalhar, moço. Mas agora você já tem uma boa história para contar.

- Espere. Anote aqui seu número. Aposto que vai ser a tinta mais bem gasta dessa noite.

E então você pegou a caneta, escreveu seu número em uma das folhas, me olhou e sorriu.

- Você sabia que a bolinha na ponta dessa caneta é de carbureto de tungstênio, um metal usado em balas de revólver?

- Vou tentar não matar você de tédio enquanto estiver lendo meus textos.

E sorrimos.

[Agora, de volta ao divórcio.]

- Lembra da bolinha na ponta da caneta?

- Sim! - você disse com raiva.

- Acabei te matando, certo?

- Não.

- Mas você está nos matando agora.

- Não! Eu não posso me matar, pois eu me suicidei no dia em que te conheci, porra!