quinta-feira, 18 de julho de 2013

Frase de cigarro




O cigarro pousava no relevo discreto do cinzeiro enquanto deixa sair de si uma fumaça densa que ia perfumando a atmosfera e colorindo, de cinza, o ar pesado do pequeno pub. Uma garrafa de vinho, pela metade, e dois copos de vidro descansavam na mesa do bar, e uma tinta vermelha de batom manchava a borda de um deles. Um casal. O moço vestia uma camisa social amarela com os três primeiros botões abertos, um cachecol e um tênis sem meia. Ele festejava. A moça escondia seu corpo com um vestido preto, óculos escuros e sapatos limpos. Ela estava de luto.

O rapaz deu um trago no cigarro e disse, entusiasmado:

- Volte pra mim, Karen. Eu tenho um plano. Nós poderíamos sair por aí, na minha kombi, descobrindo novos sabores e cheiros. Abraçaríamos a vida e sorriríamos para o amor, e assim o bom-dia para o carteiro seria mais sincero. Nós poderíamos fazer filtro dos sonhos para mastigar o pão e ter ressacas de vinho. E, em um dia frio, nós transaríamos na traseira da kombi sentindo cada vibração acústica do volume alto de Guns N' Roses tocando no rádio velho. E então a gente desenharia nossas inicias nos vidros embaçados pelo suor do nosso ..

A moça sorriu alto, cortando feito cerol o sonho do rapaz. Foi um riso perfumado de sarcasmo e incrivelmente maldoso. A expressão em seu rosto era a mesma estampada na face de uma miss-universo vendo sua concorrente cair enquanto desfila para os jurados. Puro deboche! Se um pensamento maléfico fizesse algum ruído, esse seria o som zombeteiro de sua gargalhada de gozação.

Ele tragou o máximo que pode e sentiu a tontura do exagero. Aquele trago nervoso grifou sua preocupação e expôs o ponto de interrogação em sua cara, como um marca texto colorido destacando aquela palavra desconhecida pelo leitor.

Ela se permitiu derramar algumas lágrimas antes de olhar no fundo dos olhos verdes do moço e disse, dando ênfase em cada palavra:

- Você vende sonhos que não tem em estoque!

Ela socou, com pressa, seus cabelos para trás do ombro direito, arrancou o resto de cigarro das mãos do moço, deu um profundo trago e deixou aquela mesma fumaça, densa e cinza, sair pelo seu nariz. Depois apertou forte o cigarro no fundo do cinzeiro, apagando todos os planos, todos os sonhos, todo o futuro e transformando a interrogação dele em ponto final para ambos!

A moça levantou e foi embora.

O moço bebericou o resto do vinho e fumou mais um cigarro.

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