segunda-feira, 9 de julho de 2018

O dia do silêncio




Hank acordou cedo, decidido a mudar o mundo, porém apenas se masturbou e voltou a cochilar, enrolando a ponta de seus próprios cabelos, como de praxe. Ainda preguiçoso, esticou a mão a procura de um cigarro; não o encontrou e não praguejou por isso, apenas desistiu. Dormiu sem sonhar. Hank é um homem de meia idade, daqueles rapazes que passam despercebidos na multidão. Sem uma beleza óbvia ou uma feiura gritante. Hank é apenas um cara. Um escritor repugnante, exagerado e fracassado. Despretensioso e dedicado. Hank é eficaz, Hank é atraso.

Becca acordou tarde, correu pro seu mantra de vídeos - Coen, pedidos de casamentos e votos, relacionamentos de famosos e músicas alternativas - e depois foi fazer seu pão de queijo de frigideira sem catchup - não parece relevante essa parte, mas é. Becca sabe tudo sobre proteínas, fibras, transgênicos, séries, novelas, músicas, livros, Nietzsche, feminismo, política, balé, drogas, vinhos, inteligência emocional e etc. Becca é boca seca de tanto falar. Uma oradora que tem propriedade no que diz. Sem emprego, sem diploma e descobriu, ainda na semana passada, que todo mundo tem o seu próprio tempo, o que lhe deu um pouco de paz. Becca é incrivelmente linda, e ficou feliz em saber que a maior parte dessa beleza não reflete no espelho. Becca teve essa epifania enquanto olhava o retrovisor passageiro de um carro popular.

Hank se olhou no espelho e viu um homem com uma calça de moletom verde-vômito, chinelos de dedos e uma camisa salmão folgada. Cabelos bagunçados, barba por fazer, dez reais no bolso e um óculos de sol no rosto.

Hank escreveu as pressas - a falta de tempo não foi capaz de impedir que ele desenhasse uma chinchila - num papel e foi para o metrô, em direção a casa de Becca. Chegando lá, o que viu foi:

Becca com um vestido florido azul já desgastado pelo tempo, presilhas nos cabelos e só. Sem maquiagem e sem adornos em quaisquer de seus membros.

Hank lhe estendeu a mão e mostrou o papel amassado de uma forma desajeitada.

O bilhete dizia:

"O dia do silêncio."

Becca assentiu com a cabeça, sorrido, compreendendo o que queria dizer. E depois que se beijaram, compraram um vinho.

Becca escolheu, claro.

- "Esse é encorpado" -, ela pensou. E ele pareceu ouvir seu pensamento. Eles se olharam e apenas riram baixinho, mais com o olhar do que com os lábios.

E foram para o retiro pessoal do casal. Em qualquer grama que tivesse sombra. Nada especial. Sem luxo. Singelo.

A Toalha verde vestia o chão. Celulares desligados. O vento fazia, hora ou outra, um barulho agradável e tocavam, de leve, seus cabelos. O riso dele, amarelado pelo cigarro. O dela, embranquecido por algumas placas de cálcio.

Cigarros acesos.

Copos pela metade.

Riso frouxo.

Beijo na boca, no rosto, nas mãos, na testa, nos olhos.

Fizeram amor ali mesmo, sem sexo, sem nudez.

Falaram "Eu te amo" ali mesmo, sem palavras, sem voz.

O amor está ali. Bem quietinho. Tímido.

As palavras não, elas eram desnecessárias.

As palavras enganam.

O silêncio não.

Os olhos não.

O gestual não.

Eles não falaram.

Não falaram.

Aquela tarde inteira não falou, mas isso diziam muito sobre eles dois, eles sabem.

sábado, 7 de julho de 2018

But all of this isn't only about me. All of this is more about waiting for someone you know will never come back. About that time spent waiting. And the people you meet in the waiting room.