segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Estação

Era pra ter mudado meu dia, minha semana, minha vida; mas só mudou a estação.

Seja bem vinda, primavera.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Talvez o amor seja isso; VI



Os quadros estavam tortos e as cortinas desarrumadas. As fotos do casal feliz nos porta-retratos estavam jogados pela sala, em cacos. A TV estava desligada e nela refletia uma mulher sentada no chão e soluçando, cansada de tanto chorar. Ela usava um vestido florido verde banhado por lágrimas de tristeza, e uma de suas alças estava despencada assim como seu casamento. Havia também um homem com um cigarro aceso entre os dedos com um olhar perdido na aliança de ouro que destacava em sua mão esquerda. A cinza do cigarro estava acumulada nas pontas em forma de ponte, já fazia tempo que não recebia um trago - e isso significava que o fumar foi um ato meditativo para o rapaz. A agulha do rádio apontava o meio do marcador e deixava sair de si um som baixinho e deprimido. O cômodo era palco do término.

A mulher catou fiapos imaginários em seu vestido florido, depois deixou seu olhar escorregar de lado e se viu sendo carregada nos braços por um rapaz alto usando um terno preto com uma flor branca no bolso na altura do peito. Na mesma fotografia ela usava um vestido longo de noiva em cetim e renda com Xale, com pequenas imperfeições que demonstravam que foi bordado por nobres camponesas.

Ela chorou mais ainda lembrando do dia de seu casamento.

Ele também olhou o retrato e se lembrou dos votos, do beijo, da felicidade. Depois disse:

- Foi o dia mais feliz das nossas vidas.

Ela não disse nada.

Ela se levantou jogando o cigarro de lado e a pegou no colo, como no retrato.

Os dois olharam para a foto e viram rostos felizes.

- Na alegria e na tristeza, lembra ? - Disse o rapaz.

Talvez o amor seja isso;  um vagonete de trem. E não importa se a manete é empurrada para cima ou para baixo, o impulso é sempre em direção ao mesmo lugar: para o final feliz.

O breu



O breu engoliu o meu quarto feito uma garota gorda com apetite, e eu senti os olhos dele me cobrirem como um cobertor gelado e desconfortável. Enquanto me esforçava para não abrir meus olhos, eu pudia sentir ele parado no canto da parede, encolhido, com os olhos arregalados de terror e ódio. O olhar dele pesava sobre mim, como uma puta que grita sem vontade pra satisfazer desejos que não são seus. O calafrio do meu corpo parecia alimentar seu apetite e eu me esforçava, em vão, tentar mostrar uma coragem que não tinha em estoque ali, naquele quarto escuro, dentro de mim. Meu pé escapuliu do cobertor para dias frios, e eu, por um momento, quase senti suas mãos banhadas por um suor frio, como alguém que ameaça cócegas - você sente antes mesmo que os dedos te alcance! Engoli minha própria saliva para matar a sede, pois meu medo era maior que meus instintos de satisfação primário. Me cobri até a cabeça, como se meu cobertor fosse um escudo, e apertei forte os olhos. Bem, ele ainda não foi embora. Eu sinto! Ainda escuto ele tropeçar pela madrugada fazendo pequenos barulho pela casa, a maçaneta da porta ainda tenta um giro fraco de vez em quando e as vezes meu cachorro cego fica parado no pé da porta do meu quarto observando atento a escuridão de seu mundo, deixando sair um rosnado melancólico enquanto suas orelhas ficam em pé de prontidão e seu rabo caído de medo - o que indica que seja lá o que for que ele está olhando, não tem um olhar amigável e, com certeza, não está com uma bolinha nas mãos.