quinta-feira, 25 de abril de 2013

Talvez o amor seja isso III




O céu estava com um tom degradê incrível; o sol se levantava preguiçosamente e o laranjado do dia baralhava-se com o resto do cinza meio azulado da noite, e este se despedia despreocupadamente da escuridão da véspera que antecede toda manhã.

O jovem casal ainda estava sonolento naquele quarto de um motel, deitados nus na cama e enrolados em cobertores, enquanto desinformados vaga-lumes ainda piscavam suas caldas florescentes, desavisados sobre o nascer de um novo dia. Alguns postes ainda derramavam alguma luz sob a cabeça de poucos trabalhadores honestos que acordavam bem cedo para ir labutar. Aos poucos o deserto da madrugada dava lugar ao formigueiro humano que um dia de segunda-feira proporcionava à qualquer centro metropolitano.

O rapaz acordou primeiro bocejando forte e viu sua cocota ali, roncando bem baixinho. Ele pode imaginar ela sentindo vergonha dessa cena, riu alto e levou a mão a boca rapidamente, como uma criança quando deixa uma mentira escapulir. Ela se mexeu delicadamente e ele sentiu vontade de beijá-la. Enquanto tirava o telefone do gancho e pedia o desjejum, um riso brotava no canto de sua boca e florescia mostrando seus dentes divorciados. Ele viu sua pele morena e o seu pequeno tamanho, seu queixo saliente e seu cabelo desfiado, frágil e fino, mas mesmo assim fazia parte da força que o prendia a ela.

Eles estavam juntos há alguns meses e o rapaz sentiu uma estranha vontade de oficializar seu relacionamento ali mesmo, naquele momento. Entre o rádio AM ligado em uma estação qualquer e a banheira com água, agora fria, pela metade. Entre o abajur que esbanjava cores primárias e os pacotes de camisinha aromatizadas artificialmente que foram rasgados por mão trôpegas e dentes apressados. Foi uma epifania amorosa e ele sabia disso. O rapaz era inteligente o bastante para não esperar um grande momento acontecer para poder demonstrar a imensidão do seu sentimento, e então disse eufórico:

- Acorde, sua ridícula! Acorda, porra! Amor, acorde!

Ela acordou zonza e sentiu o forte bafo matutino do rapaz. A cara amassada evidenciava ainda mais a ingratidão que a beleza lhe ofereceu. Depois que ela se sentou, tapou seus lindos seios e disse no tom mais animado que conseguiu reunir depois de ser acordada por um cara que tinha a pior cara de sono que já viu em toda sua vida:

- O que houve, gatinho, está tudo bem?

Ele só teve mais certeza ainda. Ajoelhou-se na cama redonda, olhou no fundo dos seus olhos e disse:

- Quer namorar comigo?

A moça parecia não acreditar. Depois de ficar encarando o rapaz por tempo demais, ela o abraçou forte, o obrigando a deitar, caindo por cima dela. E então ela pode ver o seu próprio largo sorriso no espelho, que ficava no teto, ele conseguia refletir sua felicidade e o amor que sentia pelo rapaz.

Ela olhou bem no fundo do seu olho e resolveu dizer sim, mas à sua própria maneira. Ela o beijou demoradamente e depois disso fizeram amor apaixonadamente.

Talvez o amor seja isso; acordar o seu café-da-manhã na cama sem maquiagem e ver todas as suas imperfeições; o ronco nasal, a remela em seus olhos, o mau-hálito em sua boca e mesmo assim, apesar de tudo isso, ainda querer devorá-la até a última fatia.

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