terça-feira, 2 de abril de 2013

Sobre o arrependimento.




O cobrador bateu três vezes com a caneta na caixa de dinheiro em sua frente, esse era o sinal que o motorista precisava para poder fechar a porta traseira e seguir em frente. Isso trouxe João para o presente, espantando seus pensamentos sobre o dia anterior. Com aquele olhar perdido ficou fácil de perceber que sua bússola não apontava mais para o norte.

Um dia antes, o despertador do rádio AM tocou alto e fez com que João acordasse preguiçoso e ainda sonolento. O cheiro do sexo da noite anterior ainda estava palpável e as camisinhas, amarradas pelas pontas, ainda estavam jogadas pelo chão sujo de um quarto de um motel qualquer. Já vestido, ele sentiu sua aliança de ouro dentro do bolso na parte de trás da calça e se apressou em coloca-la em seu devido lugar. Olhou por um bom tempo para a bela moça que estava em sua cama, a que estava em suas mãos na noite passada e sentiu nojo. Ele decidiu que gostava do dragão tatuado nas costas e da pose que ela fazia ao dormir. Tentou se despedir mentalmente e riu dessa tolice. Então ele a beijou na testa e riu mais uma vez, dessa vez mentalmente. Aquele beijo não significava nada, e ele sabia disso. Depois que pagou a pernoite, foi embora jurando nunca mais atuar no palco da infidelidade.

Sua noiva, Olívia, era linda. Seios pequenos, cabelos curtos e pele morena. Seus lábios beijava o orvalho pela manhã e cuspiam palavras violentas. O doce da beleza parecia se dissolver na acidez de seu gênio forte e personalidade paranoica. Com o ciúme de Otelo e o poder de Herodes, ela disse agressivamente:

- Onde você passou a noite, filho da puta?

João olhou rápido para cima e para os lados, como quem procura uma resposta satisfatória no ar. A mentira muda o seu corpo fisiologicamente. A mentira faz o rosto e, principalmente, o nariz aquecer. Esse é um efeito causado pela ínsula, uma região do cérebro responsável pela coordenação das emoções, e o alívio vem com uma rápida esfregada no nariz, e Olívia sabia disso. João pensou em falar algo e coçou o nariz, porém não respondeu. Ele sabia que aquela não seria uma conversa a dois.

Olívia disse isso retoricamente. Assim como toda mulher, ela tinha um sexto sentido para a traição. Depois de dois tapas, alguns palavrões e muitas lágrimas, ela teve a certeza que o casamento não seria bem vindo à sua vida, não agora, não com João. Moravam juntos a apenas três meses e ela já estava farta daquilo. Ela conheceu João nos bares, na noite, nas festas. Ela descobriu que não importa quantas vezes você troque o seu quadro predileto de cômodo; seja na sala, na cozinha ou nos quartos, a fotografia dele será a mesma para sempre. Depois dessa epifania feminina, enxugou a última lágrima que cairia por João, ergueu a cabeça e foi embora para sempre.

Hoje, João anda de ônibus em ônibus procurando rostos parecidos com de sua Olívia pelas janelas sujas e teletransportando-se ao passado desperdiçado e desdenhado, sempre que possível.

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