sábado, 27 de dezembro de 2014

Querida Karen, XV




Domingo, 28 de dezembro de 2014.
Querida Karen,
 
 
O mês de dezembro é definido por frios tórridos, ventos sem fôlegos e cigarros saudáveis. O décimo segundo mês do ano é contraditório e íntegro - até na definição. Aniversário. Amigo-oculto. Natal. Ceia. Orações. Karen, o verão é sem sol e sem amores. As vezes a chuva desaba sem delicadeza, e eu consigo dormir bem nesse ataque confortável. As pessoas me enjoam e o mês é todo cinza. Estou tragando um bom vinho e ouvindo música no rádio. Arrumei um bom emprego, gosto do que faço. Ganhei os melhores boquetes este ano. Transei com quase meia centena de garotas, e claro que não fiz todas elas gozarem. Que se fodam! Terça-feira passada eu beijei uma garota; olhos verdes, católica, cabelos loiros. Ela é a promessa de alguma coisa nova. Caso antigo, eu gosto disso. Não sei mais o que dizer. O desinteresse em te dizer algo é incrivelmente agradável. Não vou perguntar como você está porquê o desleixo é recíproco e unilateral, como o mês de dezembro é, em toda a sua maldita redundância em fazer tudo ser assim tão diferente.
 
Unfaithfully yours,
Hank.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Existem dois tipos





Era sexta-feira com chuva. Bárbara, quando eu te vi naquele vestido listrado e curto eu me arrepiei. Me senti castrado de tanto tesão. Percebi que existem apenas dois tipos de mulheres: as que acordam cedo para ver o sol nascer, e as noturnas - aquelas que não dorme até ele acordar. Você é uma delas. E isso me deixou paralisado. Não te beijei, isso seria gastar muita energia, e quando você umedeceu os próprios lábios eu percebi que ia precisar toda que eu tenho. Te levei em um motel barato, mas com toalhas limpas. A evidência da ansiedade ficou evidente quando eu emperrei a chave na fechadura e não consegui abrir a porta. E então você percebeu. Me olhou e deu um riso que me confortou, mas não por completo. E quando eu chamei a camareira para resolver esse problema, a porta se abriu. A primeira coisa que você disse quando entramos no quarto foi:

- Nunca estive em um quarto de motel antes.

E então eu percebi que seria inesquecível. E isso não ajudou a evaporar o suor frio que banhava minhas mãos. O quarto de número 207 teria mais uma história louca pra contar se pudesse falar. Tentei me livrar daquele sentimento, mas seria como um fumante se esquivando do cheiro amargo da fumaça que sai da sua bocaa e narinas.

- Tudo bem, boêmio.

Você disse quando eu não consegui ser um homem quando precisava ser. Eu só conseguia pensar em meter uma bala no meio da testa das araras-azuis que não querem transar para salvar a própria espécie. Por algum motivo eu pensei na maravilha da lua. Ela reflete em todos os lagos e rios do planeta, porém ela é apenas uma. Incrível.

E então, Bárbara, você me abraçou e me fez um cafuné, depois disse:

- Está tudo bem mesmo. Eu não estou aqui só pelo prazer.

Incrível também como esse tipo de honestidade sexual me deixa extasiado e encantavelmente duro. Eu foderia você a noite inteira, Bárbara. - e foi o que fiz. Não queria parar. Não fiquei saciado só de pensar que a satisfação é a morte do desejo. E então eu continuava admirando o mamilo do seu peito, as melaninas do seu corpo e surfava nas ondas do seu cabelo preto. Eu suava, e tentava recompensar sugando toda a saliva da sua boca.

Você gemia e gostava de apanhar como uma puta, e eu gostei disso. E depois que você pediu para que eu gozasse dentro da sua boca eu pensei, de novo, que só existem dois tipos de mulheres: as que sentem nojo, se regram e limitam o prazer, e as que estão em um relacionamento saudável com seu companheiro. Que mulher incrível você é, Bárbara.

Eu estou aqui no quarto ouvindo Jack Johnson e bebendo vodca com gelo e água. Estou com saudades, Bárbara. Não vou escrever mais uma vírgula porque eu sei que nostalgia não é um sentimento que devemos sentir todo dia e, infelizmente, é o que vem acontecendo.

Existem também dois tipos de homens: os filhos-da-puta, e os filhos-da-puta que escrevem sobre o sentimento que sentiu em um dia de chuva que uma sexta-feira pôde dar.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sobre decisões



Lindas. Vocês, as mulheres, são, de uma forma ou de outra. A cor da áurea, a flor do vestido, o gestual do andar, o dengo, o bocejo de preguiça, o riso a toa. Sempre tem um detalhe que emergem vocês dessa sombra de invisibilidade. Eu sou apenas o cara que carrega o lampião no olhar, afastando a escuridão pra longe, e assim conseguindo enxergar a oportunidade de uma possibilidade que não existia segundos antes. Uma dança, um cinema, um piquenique. Não importa. E então eu beijo sua boca bem devagar e com empolgação. O mar encolhe pra você. Virei o seu príncipe sem me preocupar de estar montado no cavalo certo. Mas em toda ressaca, e eu vejo que não estou tão disponível emocionalmente como pensei estar na noite anterior. Não por egoísmo, poxa. Tenho 25 e já não me vejo no direito de jogar fora seus anos mais férteis. Você merece o vestido branco, mas eu não posso te dar, não agora. Agora eu quero nadar por toda extensão do mar. Muitas ondas, música caiçaras, fogueiras. Não quero sair daqui, agora não. Quem sabe um dia, quando os ventos disserem seu nome em assobio. Quando eu menos perceber, minha camisa virar o seu pijama. Quando a música no rádio me disser o número do seu telefone. Quando um dia frio der as caras e eu escolher um filme de engraçado só para eu escutar as nuances do seu riso. Quando o desconforto do silêncio não existir entre nós. Prometo me casar com você. Mas antes de trocar toda a imensidão do mar por uma pequena piscina, primeiro vou me certificar que a delícia de nadar seja igualmente prazerosa.

Apito para cães




"Eu amo você."

Pensei ter escutado essa três palavras saírem pela sua boca tão feminina. Engano meu, um amigo se apressou em dizer.

- Ela não disse isso. Garanto!

Mágica. E de novo eu escutei algo que você não disse. Ou talvez meu amigo não teve a sensibilidade para escutar e só eu ouvi, como um apito para cães.

- Você não fala com ela há anos, cara.

Um estranho. O abraço é desajeitado, o adeus sai tropeçando as vogais. E até um beijo no rosto que eu lhe roubo, tenho que pedir com licença e por favor..

- Ela não te ama mais, amigo.

- Mas eu sim.

Talvez meu amigo não saiba que o amor não é uma ficha telefônica que te permite ouvir a voz de quem se ama. O amor desliza pro lado da filantropia, da caridade, da benevolência e da compaixão. E se o amor fosse um bilhete caro para entrar em um parque, eu me divertiria aqui mesmo, do lado de fora, comendo meu algodão doce da cor dos seus cabelos loiros.

- Idiota.

Silêncio total.

- Desculpe, cara, não quis te ofender. Não fique chateado.

E então eu sorri.

- Viu?

- O quê? - ele perguntou surpreso.

- Não te disse uma palavra e você percebeu algo.

- Sim, mas ..

- O silêncio pode te dizer muitas coisas. Como apito para cães, sabe?

domingo, 2 de novembro de 2014

Perdidos no tempo



Somos escravos consumistas
acorrentados pela burguesia,
somos forçados a comer porcaria,
a trabalhar 24hs por dia.

Meros fantoches do diabo
estamos andando pelo lado errado
presos numa tela colorida
assistindo apenas mentiras

Aonde foi parar a nossa vida?
Estamos perdidos no tempo.

Somos jovens com algum talento.
nosso sangue ainda quente,
pedimos uma revolução urgente.

Não somos Gandhi nem Jesus Cristo,
Malcom X ou Tiradentes
estamos fadados ao acaso
de uma derrota eminente

Talvez seja verdade,
disso, a culpa, temos parte.
Tá tudo errado, o planeta tá virado
a morte ri para quem já nasceu condenado

Cabe a nós sermos diferentes
mostrar ao mundo que somos independentes.

Chega de verdades impostas,
de gente hipócritas, fascistas,
de gorvernantes egoístas.
Chega de violência, de carência,
fome e miséria.
Chega intolerância, preconceito e ignorância.

Maldito mundo materialista,
refém de um país imperialista

Somos jovens e temos o poder nas mãos,
não há tempo para viver em vão
agora é a hora da revolução.

Só não pode ficar ai parado,
com cara de tapado,
sentando, de braço cruzado,
papeando com o Diabo.

Por: Martins, Ulysses.

sábado, 25 de outubro de 2014

Eu me desenvolvo e evoluo com você.



O mundo acabando lá fora e eu aqui, olhando o seu riso enquanto você adormece. Você com essa cara de sono que acalma os tsunamis que nascem dentro de mim. E eu que não bocejava há anos, hoje consigo tirar uma soneca em qualquer rede que balance amarrado na sua árvore. Como consegui viver tanto tempo sem essa paz? Não sei. Sei que depois desse tempo que a gente passou separados, só estão acontecendo coisas boas, como se você fosse um envelope de natal que sempre traz mensagens de paz. A vida conspirou para que eu ficasse longe de você, mas isso é como tentar manter uma bola de sabão estável num bolso jeans. O primeiro texto que fiz para você fala um pouco de saudade e passado, os outros, eu prometo, falarão de amor e mais nada.

Beijos, filha. O papai ama você.

terça-feira, 29 de julho de 2014

50 tons de Jack



Seu nome é Jaqueline.

Jack abriu o portão para mim praticamente nua, apenas poucos panos de seda cobriam nossa transa. Me agarrou pela mão e me jogou na bagunça de seu quarto com pouca luz. E depois de tirar minha roupa, ela deslizou a dela por todo seu corpo negro e firme. Era uma bela mulher: olhos grandes, dentes brancos feito flash de fotografia e um enorme par de peitos. Algo brilhou, foi o seu piercing de mamilo. Beijei o seio de Jack como se minha vida dependesse disso. Eu me sentei na cama de muitos lençois e ela se ajoelhou na minha frente, umedecendo os próprios lábios. Incrível atitude. Raridade! Foi um boquete generoso, sem dentes e com muitos olhares. As vezes Jack engasgava - gulosa -, enguiava ao ponto de lacrimejar. Aquela espuma de saliva deslizando só deixava a cena mais bonita, feito verniz na madeira. Por fim ela disse: "Me foda." "Claro." - respondi. Ela gemia alto, me pedia para bater, mas não tão forte. Minha mão queimava, e os volumes quentes de marcas de dedos na bunda de Jack já eram bem visíveis - mesmo em uma pele negra. Jack sempre disposta, sempre dizendo sim para as oportunidades. Acho que ela se sente viva assim e, de um jeito bem louco, isso faz todo o sentido. Qualquer psicólogo que estudou Freud diria que isso não passa de um mau relacionamento com o pai, e que Jack acabou direcionando esse vazio que sente para um objetivo sexual insaciável. Bom, foda-se! Eu entendo Jack na cama, sofá ou cozinha. Depois de Jack quase vomitar em mim, e depois de eu pintar o peito dela de esbranquiçado-quente, a gente correu para o banho, onde o riso deslizava pela porta aberta e passeava, se espalhando pelo eco criado pelos poucos móveis da cozinha de sua casa. De volta à cama, uma conversa agradável: Jack sempre pergunta como vão as coisas, entre minha ex-namorada e eu, de uma maneira fácil de responder. Me conta que começou estudar enfermagem, enquanto confere suas últimas campainhas do seu celular de muitos aplicativos. Jack sempre dá um jeito de me lembrar que tenho o mesmo nome de seu primeiro namorado, e eu gosto disso. Acho que Jack é como eu: no final do dia, ela percebe não estar tão disponível assim. Talvez isso seja uma transa por esporte, um sexo agradável por dois animais que marcam hora e lugar. Gosto de Jack. No meio de tantas pessoas sonolentas e preguiçosas, eu transo com Jack, que nunca boceja, faz sexo até eu começar a falar árabe e faz um boquete que até parece que um anjo está lambendo o meu próprio cu!

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Querida Karen, XIV

  Sábado, 12 de julho de 2014.
Querida Karen,


Final.

Outro seriado acaba. Letras miúdas deslizam, de baixo para cima, na tela da TV. Ao fundo, Elton John tenta, sem esforço algum, enfiar aquela confusa história de amor dentro de algumas notas musicais - e consegue. O talvez de um final feliz. Subtendido. Quase. Esperança. A incerteza da felicidade no fim das contas não conseguiu desviar a atenção de um bom leitor para um página triste. De novo esperança. Então, graça.

Minutos antes.

Ele - cabelos castanho-escuro, camisa preta, a barba por fazer e o coração em uma das mãos -, entra no avião e decola junto com ela. Porém, ele já estava aos céus assim que viu aquela postura certa e aquele sorriso que faz seus olhos fecharem completamente, como num pedido, uma prece. Ela - cabelos cor-de-trigo, segurando um livro, algum olhar de adolescente e um cheirinho bom -, continua a ler como quem desdenha, fazendo um enorme esforço para não levar aquele momento mágico para junto de sua cabeceira à noite e ter sonhos que nunca se realizarão.

Ele reparou em como a sua mão buscou a dela e fez um nó. Ele não olhou para ela. Ela sim, o olhou e viu aquele perfil de homem, e viu ele engolir seco uma saliva que, na verdade, devia estar passeando em sua boca ressecada pelo silêncio daquele voo. 

Ela o beijou. Um beijo sem pressa, sem adornos e sem freios. Bem devagarzinho. Molhado. Quente. Ele retribuiu jogando um pouco daquele cabelo loiro para trás de sua orelha e, na volta, apertou, com o indicador e o polegar, sua bochecha rosada. Os dois passeavam pelos céus de suas bocas e o avião ainda não tinha decolado. A cortina fechada calava o grito do sol ao morrer. Tapou o pôr-do-sol mais lindo daquele ano e o mais engraçado foi que nenhum dos dois pareceu se importar com isso.
 
O começo.

Ele disse alguma coisa. Ela também. E os dois sentiram a mesma vontade de passarem o resto de suas vidas no meio daquela conversa. A tempestade perfeita, ele costuma dizer.


Unfaithfully yours,
Hank.

  

domingo, 29 de junho de 2014

NBA



Sempre pensei ser um bom jogador de basquete, porém não sou. Percebo isso na quarta tentativa que faço de arremessar um papel, em forma de bola, no lixo perto da escrivaninha. A barba por fazer; o gelo derretido no whisky, tirando o sabor da bebida agora quente; as juntas dos dedos maciças de tanto serem estaladas; os olhos injetados, cansados; o coração vazio e sem propósito, amassado como todas as folhas descartadas ali no chão. Outra folha amarrotada no chão, na tentativa falha de acertar - a escrita e o lixo. Sem noite de autógrafos e nem NBA. Que fracassado! Um cara de 35 anos sem emprego, fumante e alcoólatra. Sem pais para pedir a benção e nenhuma namorada para propor um casamento. Patético! Depois de martelar mais algumas teclas da máquina de escrever, outra folha é lançada sem marcar pontos, e agora ela decora a sujeira no canto do meu quarto. Errei de novo, porra! Tentativa e erro. Bem poético, mas não é um bom delineador para quem tem maus olhos. Pela sexta vez eu tentei colocar meu coração em um papel em branco em forma de tinta, não consegui e, pior ainda: não fiz nenhuma sexta! Sou um péssimo jogador de basquete.

domingo, 15 de junho de 2014

Querida Karen, XIII





 Sexta-Feira, 13 de junho de 2014.
Querida Karen,
Casais ainda andavam por aí, tentando suavizar o frio com a febre de seus abraços. De vez em quando seus olhares se cruzavam e dali nascia um riso, era a forma em som de algum segredo do dia anterior - o dia dos namorados. Uma loucura, uma surpresa, um porre; eu sempre tentava adivinhar, feliz em saber que jamais conheceria o sabor daquela resposta. Era madrugada e os mais solitários juntavam as mãos em forma de concha, depois sopravam um hálito quente na fresta de seus próprios dedos nus, acompanhados do vapor no ar que nascia de suas bocas, uma névoa quente produzida pelo desamparo de um coração andarilho, triste e calejado, ou apenas fosse mais um puto que só esqueceu de comprar cigarros mais cedo. Um casal olhava atento uma vitrine no meio da praça: ele espiou cheio de desejo para o belo casaco - um consumista. Ela arrumou seus belos cachos, conferiu o batom e depois brincou com seu próprio reflexo - uma vaidosa. Os dois olhavam na mesma direção mas com intenções diferentes, pensei. Corações, bandeirinhas e fitas, em amarelo e verde, decoravam a cidade inteira, e nós, Karen, vimos o vento brincar com todas elas.

Você com seu perfume de maça e terra molhada. Um cheiro lindo que competia com o aroma do seu shampoo e com todas as flores do seu vestido amarelo. O bálsamo emanava da sua pele branca com a mesma invisibilidade da evaporação das águas do oceano e rios, com o mesmo encanto, com a mesma hipnose e com a mesma paz, e formando a mesma chuva potável que me dá a graça de continuar vivendo. Karen, você usava um único brinco de penas, e aquele colar que as vezes mergulha no seu decote discreto, brincando com a pinta do seu seio esquerdo. E toda vez que você sorria, Karen, você comportava seu cabelo dourado para trás de sua orelha sem brinco com seu dedo indicador e nesse momento eu tinha a certeza que a cada passo que eu dava em sua direção, eu tinha 360 graus de oportunidades.

Na porta do seu apartamento, você parou na soleira da porta, girou nos calcanhares, e disse:
- Boa noite, Hank. - fazendo o máximo de esforço para não parecer um convite.

E eu lembrei do seu riso se propagando com a ajuda do eco fortalecido pelos poucos móveis da sua sala. Lembrei do seu sutiã jogado no chão toda vez que a gente tinha aquela pressa em fazer amor. Lembrei que você me espiava, sorrindo, toda vez que me flagrava cantando Jack Johnson no seu chuveiro. Lembrei de você gemendo baixinho no meu ouvido, patenteando uma nova nota musical que ainda não existe.

- Eu consigo sentir seu esforço de sempre tentar estabelecer uma atuação que confronte um clima romântico entre nós, Karen.

- Você sempre foi mais talentoso do que dedicado em me fazer cair na sua cama e ter o meu amor, Hank, mas você sempre prosperou o caos.

-  E esse não é justamente um dos motivos que fazem um ex-casal sair por ai pra jogar conversa fora?

- Sim, mas também é o que faz você ser impossível de se conviver. Você nunca vai ficar só.

- Isso não quer dizer que não seja solitário.

- Hoje você é livre, Hank, aproveite isso.

- Liberdade é só mais outra palavra pra sentir saudades suas.

Você sorriu, gostando de cada acento dessa frase.

- Hank, eu ainda te amo, mas jamais vamos dar certo.

E foi nesse exato momento que você tirou o seu amor como se fosse um casaco, e depois pendurou num varal sem amarras.

- Não vamos fazer disso uma lição de vida, oras.

- E qual foi, então, o sentido de hoje a noite?

- Não foi para ferir, foi pra cicatrizar.

Você me olhou por alguns instantes.

- Boa noite, Hank.

- Boa noite, Karen.



Unfaithfully yours,
Hank.


Colei muita coisa hoje. Hoje o cérebro não participou com a criatividade. Hoje só o coração falou!

domingo, 25 de maio de 2014

Talvez o amor seja isso; X



Vozes infantis, alegres e femininas cantavam de uma forma ensaiada no quintal gramado de algum vizinho.

- Suco gelado, cabelo arrepiado, qual é a letra do seu namorado? A, B, C, D ...

Duas delas seguravam uma corda nas mãos, fazendo um movimento circular em sentido horário. Uma garotinha de cabelos loiros acompanhava, atenta, o ritmo da corda que desafiava alcançar seus pequenos pés - ela estava entre as duas outras garotas, ela pulava a corda.

- I, J, K, L ...

A franja de seu cabelo loiro atrapalhava um pouco sua visão. A boca mordia os próprios lábios - da mesma forma que toda mulher faz para distribuir igualmente o excesso, quando termina de passar seu batom vermelho-sangue em sua boca de mulher -, sua língua pendia um pouco para fora de uma maneira vergonhosa e tímida - e isso era a exteriorização da concentração que a arrodeava aquele instante. Ela sabia que faltava pouco, apenas três letras.
 
- P, Q, R.

A pequena garota estava decidida. Ela pulou por 18 vezes, deixando a corda estalar no chão gramado. Depois ela simplesmente parou e seu calcanhar direito sentiu o golpe leve da corda no mesmo instante que a letra 'R' era musicada por vozes alegres. Ela sorria orgulhosa e confiante.

As outras garotas taparam a boca e riram baixinho. Elas sabiam muito bem o por que desse esforço voluntário de não poder contar com a sorte para algo tão importante como o amor.

A garotinha loira suspirou em forma de alívio e sentiu o sangue se acumular nas bochechas do seu rostinho. Um pouco depois de corar a maça da face de vermelho, ela tapou, com as mãos, sua timidez e aquele amor de criança; o amor mais puro que alguém pode ter.

Talvez o amor seja isso; saber que existe o poder da escolha no limiar invisível de cada oportunidade que o destino nos dar de escolher a quem amar e, saber escolher até em brincadeiras, essas pequenas chances que a vida nos dá de demonstrar esse amor para os amigos, para ele ou ela e, principalmente, para nós mesmos.

domingo, 27 de abril de 2014

Dread de bronze



- Oi, - você disse. - quer dar uma olhada nas pulseiras? Tem essa aqui colorida, e também essa aqui que é a sua cara porquê ...

Não escutei mais nada. Sua roupa leve e grande para um corpo tão magrela, roubava sua idade em pelo menos uns quatro anos. Seu sutiã que não tinha a menor vergonha em aparecer apenas em um dos lados do ombro. Sem esmalte nas unhas, sem chinelos em seus pés descalços. A sobrancelha por fazer, assim como a costura da sua camisa um pouco rasgada. Vi seus lábios se moverem, abrindo e se fechando. De vez em quando sua língua passeava, com carinho, em seus lábios - umedecendo seu riso e vocabulário. Vi também sua boca tapando seus dentes brancos, feito teclas de piano, sempre que você sorria das próprias piadas, como se você tentasse abocanhar toda sinceridade daquela gargalhada que só você podia dar. Senti seu hálito morno tocar meu rosto, como em um agradável beijo de boas-vindas. E então você olhava para baixo e depois para cima, tentando procurar alguma resposta no ar sempre que eu fazia uma pergunta e, quando encontrava, você penteava, com o dedo indicador, seus cabelos ruivos e enferrujados para trás da orelha - era lindo ver você fazer aquilo, devia ser uma forma de massagear o próprio ego, ou, apenas, uma maneira inocente de maquiar sua capacidade de ser a única pessoa no mundo inteiro capaz de parar o tempo. O vento soprava seus dreads, amarrados de um jeito preguiçoso e desmazelado, e eu via o cobre do seu cabelo fazer uma dança desajeitada e curiosa em pleno ar - como um acrobata. Uma medalha de bronze, bem ali na minha frente, e eu reparei na minha própria preguiça de chegar em primeiro lugar. A tempestade perfeita, pensei.

- Vai levar alguma? - você insistiu perguntando, me trazendo de volta pra aquela conversa que eu imaginei tendo pela minha vida inteira. - Tá tão baratinho ...

terça-feira, 15 de abril de 2014

Visão da Adoradora da lua


A Adoradora da lua e o Boêmio, amante da natureza.





 Esse é um curto pedaço da história da Adoradora da lua. Presa em um corpo pequenino, sua mente vagueia nos mais distantes jardins, percorre os mais quilométricos campos, e quando lhe é permitido, em um deslize já põe-se debaixo da chuva, da lua, do vento... Não conhece muito da vida, mas o que lhe coube conhecer, ah... ela conheceu com amor! A Adoradora mora aonde o sol se põe, esse é o seu lar. E, neste dia, deitada na rede ela conversa com um tal Boêmio amante da natureza que cruzou um dos campos que ela percorria livre. O Boêmio, com pinta de malandro, em suaves versos e prosas, suavizou também sua resistência. Não se sabe ao certo quando suas ruas cruzarão novamente, mas o tal Boêmio e a Adoradora ainda tem muitos caminhos a percorrer. O que será que o futuro reservou para os tais jardins?

Por: Adoradora da lua.

Forgive me, Father. VII





- Me perdoe, padre, pois eu pequei.

- Sou todo ouvidos, filha.

Ela alisou, desajeitada, sua aliança dourada que vestia seu dedo anelar esquerdo. Respirou devagar e expirou forte. Olhou para o nada, talvez se concentrando no pensamento de salvação. Seu lugar no céu dependia da absolvição do padre. Sua perna esquerda sacudia involuntariamente, e ela se deu conta disso quando tentou enxugar o suor da palma das mãos no seu vestido preto e longo.

- Padre - disse ela -, eu traí meu marido.

- E como se sente ?

- Muito mal.

- Se arrepende?

- Absolutamente.

- Isso é bom. Foi sincera com seu marido sobre isso?

- Não posso.

- Entendendo...

- O que devo fazer?

- Ah, deixa pra lá. - disse o padre, vomitando o desdem.

- Hã? Mas o que a bíblia diz sobre isso?

- Adultério? Muito, muito grave...

- Não, sobre isso não. Eu digo sobre não contar a verdade para meu marido.

- Depende. Você conseguiria justificar guerras na bíblia, se quizesse.

Ela não disse nada.

- Mas como toda pessoa que vem até aqui, você também quer sair mais leve, mais confortável do que entrou. - disse o padre.

- Sim!

- Pois bem. Na biblia diz que aqueles que não tem acesso a sagrada palavra, podem ser salvos. - como os índios. Em 1 Coríntios 4,5 diz o seguinte: "Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor."

A mulher fez um gesto compulsivo de tirar e colocar a aliança, bem rápido. Como se ela fornicasse o próprio dedo no lugar mais inapropriado do mundo, dentro da casa do Senhor.

- Não entendo, padre. Essas metáforas fodem minha cabeça.

Ela não se desculpou pelo palavrão. Ela deixaria aquilo para outra confissão.

- Disse que, segunda a bíblia, até a própria ignorância pode ser a salvação. Deus realmente é muito bom.

Ela respirou aliviada. Fez o sinal da cruz e foi embora, não antes de agradecer o padre de uma forma ofussiva.

O padre deixou um sorriso cansado sair pelo canto da boca. Depois sussurrou bem baixinho, como um pensamento que fez uma curva, saiu pela boca e acabou criando som.

- Apocalipse 21,8: "Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicídas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxogre; o que é a segunda morte." 

Depois de provar na bíblia que os mentirosos irão para o inferno, ele provou que os adúlteros também irão.

- Gálatas 5,19-21: "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicícios, bebedice, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus"

 Justificar guerras na bíblia, pensou o padre.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Óleo e água.




Eu e ele somos como óleo e água. Fora o sobrenome, sangue que desliza em nossas veias e o redemoinho na parte de trás da cabeça, não temos nada em comum. Minha vovó chora baixinho lá no quarto, garantindo ser a última vez que ele me ofendeu. Meu avô pede calma. Minha mãe reza um pai-nosso, pedindo em oração que ele não me mate e justifique tudo em alguns capítulos da bíblia, onde Abel é morto por Caim. Meu pai sempre chega tarde do trabalho, cansado demais para essas coisas de família - eu não o culpo, a vida já foi muito injusta com ele. Primeiro ele fala nervoso, com o punho fechado, dizendo coisas que eu não sei bem o que é. Eu fico triste. Minha mãe agora pede pra eu dormir com a porta trancada - sempre com aquele semblante que implora uma necessidade de vida, porém, sem exigir questionamentos. Uma semana depois ele me abraça, sem pedir desculpas, e me trata como se eu fosse a única pessoa do mundo. Eu o amo ainda mais. Alguns dias depois lá vem aquela cara fechada, o senho franzido e o punho fechado. Foram tantas vezes que resolvi deixar a chave no trinco da porta do meu quarto. Eu sei que eu fui responsável por alguns cabelos brancos na cabeça da minha mãe; como naquela vez que quebrei o braço; ou quando fui pai; ou quando passava os dias em casa bebendo vodka pura, assistindo o DVD do Exaltassamba; mas isso é demais. Eu quero paz. Será que ele quer minha ajuda? Por quê ele não conversa comigo? Será que ele ainda me ama? Sei lá, sinto os sentimentos ficarem embaralhados - passei a ama-lo, mas sem gostar.

Irmão, por favor, não deixe a morte me abraçar pra você me entregar flores, que eu te prometo destrancar essa porta e jogar a chave fora, e se isso for impossível, eu invento três janelas pra você entrar no mundo do meu quarto.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Querida Karen, XII






08 de abril de 2014.
Querida Karen,


O amor não é cego; ele é preguiçoso, medroso e desmazelado. Cegos somos nós. E existem três tipos de cegos: os que são incapazes de enxergar o sol; os que tapam os olhos, incomodados, e evitam o sol; e os que cegam de tanto admirar o sol. O sol, porém, aquece todos eles. O amor é como o sol - e o que nos faz enxergá-lo é justamente se capaz de ter a sensibilidade para poder sentir a febre do seu calor.


- Você deve ficar com ele. - eu disse, de uma forma sem adornos.

Cruzei os braços de um jeito grosseiro bem perto do peito, como se precisasse segurar e esconder todo o amor que sentia por você. Cocei o nariz, tapando um pouco a boca em um gesto inútil de impedir que aquelas palavras saíssem da minha boca. Porém, não desviei o olhar - eu precisava ver se você acreditaria na minha mentira. Karen, eu te disse essa inverdade no dia 16 de agosto de 2012, em uma quinta-feira cinza e triste. E depois de catar fiapos imaginários em seu vestido verde, você assentiu com a cabeça, aplaudindo silenciosamente o seu próprio esforço em colaborar com a minha falta de sinceridade. Você sabia que eu mentia, claro. E eu consegui ver o seu esforço em ser conivente com a minha própria fraude. Você não disse nada e, hoje, eu te agradeço por isso. Eu sei que algumas palavras enxeram seus pensamentos, mas não disse nada, fiquei calado. E aquele sussurro rouco, no pé do seu ouvido, que te dizia para não deixar escapar palavras de amor, com certeza não foi a sua consciência te inibindo; foi o seu próprio medo te paralisando. Você fingiu não ouvir a franqueza que teimei em dizer mentindo, e eu escutei uma coisa que, na verdade, você não falou. Dois covardes - você, cúmplice; e eu, omisso. Karen, nós piscamos nossos olhos de uma maneira demorada, medrosa e artificial. Um gesto premeditado e voluntário, uma necessidade covarde de nos cegar por alguns instantes para não nos darmos ao luxo de enxergar todo aquele amor que desfilava bem ali, na nossa frente. 


Unfaithfully yours,
Hank.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O amor pelo terror.




Coloquei o marcador entre as páginas 213 e 214, olhei o relógio - eram 18:15 - e respirei todo o mormaço daquele fim de tarde.

O ônibus se arrastava devagar pelo congestionado trafego. O canto dos pássaros era abafado por buzinas e palavrões. O calor do verão desmentia todos os comercias de desodorantes, e as rodelas de suor nas axilas apodreciam camisas novas e mal passadas. Mulheres assopravam seus decotes fartos, enquanto homens enxugavam a umidade em suas testas com as costas das mãos. Trabalhadores honestos, apressados e católicos, amaldiçoavam suas vidas num sussurro baixinho, como numa prece maldita. As pernas tremiam, os olhos injetados de cansaço. O corpo implorando sossego. Um inferno. Pelas janelas do lado direito o pôr-do-sol murchava, deitava cansado em um sono preguiçoso e assustado - um pedaço do paraíso naquele inferno.

- Outro acidente, porra! - disse o motorista para ninguém em especial. - É o terceiro que vejo essa semana.

Todos cansados, mas mesmo assim a maioria delas esticaram o pescoço para ver aquela desgraça. Alguns até se levantaram, aplaudindo de pé a catástrofe. Outros gastavam o resto de suas energias cochichando sobre o desastre de um jeito imbecil e estúpido.

Continuei atento no degradê do céu. Do azul claro abraçando o laranjado aos poucos. Ainda conseguia ver o vermelho ocre raso no horizonte. Em um ônibus tumultuado eu me senti completamente sozinho, apenas eu olhava por essa janela.

Por quê insistem em olhar essa tragédia? Eles não sabem o que estão perdendo...

Só depende deles, pensei.

A verdade é que eles gostavam de ver aquilo - o terror. Os cadáveres. O sangue. O carro batido. As marcas de pneus desenhadas no chão. Eles adoram! É o que vende: a tragédia é a capa do jornal; o noticiário; os filmes de ação; as conversas de bares; os rádios; os livros de história; a bíblia.

Só depende deles, pensei de novo.

Mas o ser humano ama as tragédias, desgraças, violências, calamidades, desastres, dramas e fatalidades.

Como num filme.

O filme começa. Nos primeiros segundos, a felicidade. No primeiro minuto a dificuldade. A separação. As brigas. A doença. O medo. A revolta. O choro. O revés. A tristeza. O rancor. O terror. E nos últimos segundos, em letras de forma brancas, escrito a frase: "E viveram felizes para sempre."

Moral da história: o final feliz fica por conta de vocês.

Só depende deles olhar para a outra janela.

Olhei o relógio de novo - 18:25 -, puxei a corda e um som de cigarra gritou alto dentro do ônibus. Eu precisava sair daquela plateia de filme de horror.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Forgive me, Father. VI



- Padre, não consigo perdoar meu marido.

- A escola das boas intenções habita dentro de você, filha.

- Aponte um caminho, por favor.

O padre, olhando no fundo dos olhos castanhos da moça, tragou forte o cigarro e deixou a fumaça sair devagar pelo nariz. E disse:

- Só podemos aprender a perdoar, perdoando.

- Mas sinto que vou morrer. Eu acho que não consigo.

- É bom sinal. Você está a um passo de onde quer chegar.

A moça procurou fiapos imaginários em sua blusa, parecendo não concordar com nada.

- Muita gente - disse o padre - só aprende a nadar se afogando.

Ela entendeu.

Sobre a vaidade.

E se não fosse pelo cheiro ruim que o cigarro deixa no meu corpo, eu fumaria o tempo inteiro. Se não fosse pela mãe dos pecados capitais - a vaidade -, eu já estaria morto há muito tempo.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Vovó




Dona Francisca, toda vez que chego em casa e vejo seus cabelos brancos e curtos decorando o cômodo da sala com cortinas brancas, eu sinto o meu coração mais leve, mais brando. E então eu te olho de pertinho assim e você está sempre com aquelas roupas longas, as vezes coloridas, e um par de meias vestindo seus pés - sempre driblando o frio que insiste, de joelhos e aos seus pés, em repousar em sua companhia amena. E você perde alguns minutos da sua novela só pra me fazer a pessoa mais sortuda do mundo. Dona Nem, a senhora me olha e joga aquele riso que fazem todos os anos da sua vida ficarem tão evidentes nos traços calmos do seu rosto. Depois eu te beijo, da forma mais delicada que eu posso reunir, na parte mais alta da cabeça, talvez querendo sugar um pouco dessa áurea que enfeita o redor do seu juízo e, sem sucesso, eu repito, feliz e grato, esse hábito como se minha vida dependesse disso - é a parte mais feliz da minha rotina. E aqui, nesse receptáculo da minh'alma, eu pintei o símbolo da maior obra de arte que já apreciei em todas as vidas que já vivi - você. Vó, das três flores que pintei no meu braço direito, você é a que eu mais cuido, a que eu mais amo, a que eu mais rego. Vovó, você me ensinou a ter coragem, calma e a rezar. Me ensinou a importância das flores e o poder das plantas e abraços. Me disse que o chá tem que ser feito com carinho e paciência. Me ensinou a amar. Me ensinou que algumas coisas devem ser conquistadas, e outras apenas não podem ser perdidas. Dei um passo atrás imaginário, depois que afastei os meus lábios da sua cabeça e senti meu coração batendo fora do meu peito. Sabe, vovó, acho que devo ter assinado algum tipo de contrato com a vida, e nele, com certeza, tinha uma cláusula que dizia: "Seu coração tem que nascer primeiro."

segunda-feira, 17 de março de 2014

Forgive me, Father. V




- Eu não aguento mais isso, padre. Por quê eu sofro tanta injustiça? Eu tenho orgulho da minha cor. Por que o mundo é tão preconceituoso afinal?

- Porque o homem é um grande filho da puta!

O padre disse isso em um tom triste e agressivo. Sua voz ainda sangrava, talvez por ter conhecido a discriminação na própria cor da sua pele.

- Queria que todos nós fossemos cegos - desejou o rapaz, de uma forma desajeitada, tentando dar um ar de esperança. -, talvez assim o preconceito seria obsoleto em uma sociedade que enxerga apenas com coração.

- Duvido muito, filho. - desacreditou o padre.

- Por quê?

- Porque o homem iria achar a porra de um jeito para dividir as pessoas, acredite!

- Mas como? - insistiu o rapaz.

- Eu tenho certeza que se todos nós fôssemos cegos, ele iria ser preconceituoso com o timbre da própria voz; e assim quem falasse mais grosso seria melhor que o outro. E o resto da história você já conhece...

O padre deixou a frase morrer no ar. Fechou a mão, apertando forte o ponho, a unha rasgando o tecido da palma da mão. E disse da forma mais triste que pode reunir:

- Tiago capítulo 2, versículo 9.

- O que diz lá?

- "Mas, se fazeis acepção de pessoas, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores."

O padre pensou sobre o que disse, e perguntou:

- Sabe qual é a pior raça na verdade?

- Qual? - perguntou o rapaz de uma forma curiosa.

- A humana!

Forgive me, Father. IV



A moça que entrou no confessionário tinha uma marca de sol do dedo anelar esquerdo e um olhar condescendente no rosto. Ela tolerava o mundo, suportava o renascer da sua própria alma depois de um divórcio premeditado - e tudo o que ela precisava era um pouco de compreensão.

- Padre, perdoe-me pois eu pequei.

- Pois não, minha filha. Em que posso ajudar?

-  Larguei o meu marido faz 3 meses, e agora eu sou independente. Estou atrás do meu orgulho como mulher. Jamais me casarei novamente!

- Não me diga...

- Como assim?!

- Separações. Eu fico um pouco triste, entende? Afinal eu casei a cidade inteira... Inclusive você e seu ex-marido.

- O senhor não teria um padre, ou bispo, para poder se confessar e contar suas próprias tristezas? Não posso absolver o senhor, padre.

- Desculpe, perdi o foco. Continue...

Ela organizou os pensamentos sem saber o que dizer.

- Mulheres divorciadas - disse o padre. - me fazem ter um tipo de honestidade sexual aflorada. Até hoje não sei por que. Mas me diga, minha filha...

- Pode me chamar de viúva - ela disse em um tom amargo, interrompendo o padre. -, pois aquele verme morreu para mim!

- Não me diga...

- Como disse?!

- O que você procura, moça?

- O amor-próprio.

- Não posso te ajudar - disse o padre -, aqui nós ensinamos a compartilhar o amor, não a escondê-lo só para si mesma. Você está associando o sagrado e hipócrita laço do matrimônio com a miserável oportunidade de ser infeliz para o resto de sua vida. O casamento devia ser um rótulo para a felicidade, e não uma mola propulsora pra a liberdade do divórcio.

- Não acho que me amar seja pecado, padre.

- E não é. Você desacreditou do amor compartilhado, dividido. O mundo não precisa disso. O amor-próprio é revolucionário, motivador e poético, mas com certeza não é a resposta. É bastante contemporâneo, mas amar a si mesmo, e somente a si mesmo, é fuga de ser o que você nasceu pra fazer: amar o próximo.

- Por quê? - perguntou a moça, como se ele não tivesse uma resposta satisfatória que justificaria sua ideia anterior.

- Porque amar a si mesmo, e fazer disso a sua motivação de vida, é como fazer cócegas à si mesmo; não tem a menor graça. 

Ela passeou, de leve, com a ponta do dedo indicador direito em cima da marca de sol que a aliança deixou, e refletiu por alguns instantes sobre as gargalhadas que deixará de dar seguindo esse caminho tão solitário.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Forgive me, Father. III





Entra um rapaz assustado, com os olhos injetados de terror e medo.

- Padre, eu descobri que tenho câncer terminal.

- Sorte sua. - disse o padre.

- Você é louco? Estou morrendo, não percebe?

- Como um bom cristão - disse o padre em um tom desdenhoso e irônico, quase zombeteiro -, você devia saber que a morte não é o fim da vida.

E deixou escapulir um som. Foi quase um riso.

- Mas não quero morrer. O que vou fazer agora?

- Agora você está livre!

- Não entendo, padre. Estou livre de que?

- Filho, nós, seres humanos, temos consciência da nossa própria vida, sabemos que estamos vivos, e que um dia iremos morrer, e isso é o que nos diferencia dos pobres animais. Mas temos a ilusão que a morte se atrasa, não sabe nosso endereço ou não se importa muito conosco. Pensamos que o dia da nossa morte nunca chegará. Porém, agora, você tem a certeza do fim da sua vida! A morte carimbou no seu peito um prazo de validade.

O rapaz olhou torto.

- Economias - continuou o padre. -, garantias, promessas; isso tudo não importa mais! Você pode largar o seu empreguinho de merda e conhecer os lugares que sempre teve vontade de conhecer. Acordar meio-dia, não pagar o cartão de crédito, andar de balão, transar na rua, andar por aí.

O padre estava empolgado. A impressão é que trocaria de vida com o rapaz no mesmo instante.

E continuou:

- Cara, você teve a sorte de saber, por antecipação, que você vai morrer. É como se a morte mandasse um aviso pelo correio, uma carta com letras de forma dizendo que está ela chegando para uma visita, entende?

O sujeito fez cara que não.

- Junto com a carta, filho, você recebeu a chave que te liberta das algemas imaginárias do sistema. Agora você pode fazer o que sempre teve vontade de fazer de verdade, e por algum motivo deixou pra lá, pra depois. Agora você encontrou um motivo de verdade para viver.

O rapaz apertou o queixo, mexendo de leve na barba por fazer. Estava pensando.

O padre disse, dando ênfase em cada palavra:

- Verità è visibile solo attraverso gli occhi della morte.

- Quê?

- É italiano. Parafraseei alguém que não me lembro o nome. Mas era muito esperto por sinal.

- Humm. E o que quer dizer?

- "A verdade só pode ser vislumbrada através dos olhos da morte."

quinta-feira, 13 de março de 2014

Forgive me, Father. II



- Padre, o mundo está perdido! O noticiário mostra o filho matando pai, padastro estuprando enteadas. Gays, lésbicas, ladrões, corruptos, miseráveis e bêbados filhos da puta. A vida pede basta! E eu também! Não aguento mais esse mundo podre!

- O que você cheirou, cara?

- Como disse, padre?

- Procure ver o lado bom.

- Como?

O padre empurrou a vida do cigarro para o fim, apagou o cigarro na madeira do confessionário e guardou a quimba na batina, em um bolso secreto.

- Gosta do pôr-do-sol?

- Sim. Mas o que isso tem a ver com...

O padre o cortou feito cerol.

- E do brilho das estrelas?

- Claro. Mas onde o senhor quer...

Outro corte.

- Filho, você sabia que as cores mais incríveis que um fim de tarde pinta no horizonte depende, em parte, do quanto de poluição existe na ar? Na verdade a luz solar não é amarela e nem vermelha, é branca. E o branco resulta da soma das sete cores do arco-íris - o violeta, o azul, o anil, o verde, o amarelo, o laranja e o vermelho. A nossa percepção do sol muda justamente por causa das irregularidades na camada de ar.

- Não sabia, não, seu padre.

- E você sabia que o brilho que as estrelas que você vê, provavelmente é de uma estrela falecida que provavelmente não existe mais. E que na verdade o que você ver no céu é apenas uma fotografia velha?

- Não. - o rapaz respondeu triste.

- Filho, se você for cético com o mundo, vai acabar perdendo toda a graça da vida. Veja o lado bom.

O rapaz saiu da única capela da pequena cidade e viu um incrível degradê no céu - com muitos tons de laranja e vermelho ocre. O sol estava se deitando sonolento, cansado e doente de tanta impurezas no ar, porém, sem reclamar. O moço viu crescer, sem pressa, um riso em um rosto cheio de marcas de tristezas.

Querida Karen, XI




04 de agosto de 2015.
Querida Karen,


Era uma terça-feira de agosto e nós andávamos por aí, à toa, sem destino, pela rua, sem rumo. O vento suave, não fazia frio, o céu estrelado, a noite sem lua. Um dia normal. Deitamos na grama.

Naquele dia eu te falei sobre as estrelas.

- Como são lindas. - você disse.

- Muito.

E era mesmo.

- Sabe, Karen - eu disse, olhando para o céu -, alguma delas já morreram, e a luz que nós ainda vemos, e apreciamos, são apenas um retrato antigo de alguns astros mortos que insistem em aparecer, como os fantasmas.

- Mas ainda brilham. Veja.

E, com um olho fechado e o outro aberto - feito mira -, você apontou seu dedo indicador para o céu escuro como se sua vida dependesse disso. Você sorria com os olhos.

- É, eu sei, é lindo.

E eu admirei o vento morno brincando com sua franga loira.

- Hank, então por quê ainda brilham se estão mortas ?

- Algumas coisas nunca deixam de brilhar, mesmo mortas. - eu disse me lembrando do tempo sem você, e de como eu acreditei em nós quando ninguém mais acreditava, nem você. - Mortas como Jesus, Buda, Bob Marley e Gandhi. Essas estrelas também nunca vão deixar de brilhar. - eu disse fazendo graça.

Você sorriu, Karen.

- Por causa da distância. - eu disse, respondendo sua pergunta de uma forma mais séria - Algumas delas estão a mais de 800 anos-luz da terra, e é por causa desse atraso que nós ainda vemos sua luz.

Você absorvia tudo feito esponja.

- Você não devia mais reclamar dos meus atrasos, Karen. - eu disse sorrindo.

- Bobo. Aposto que se eu me atrasar você não vai pensar o mesmo.

- Depende. Se não for a sua menstruação.

E você riu mais ainda. Com os olhos injetados, a boca bem aberta, desajeitada.

Depois se calou. De repente você ficou triste.

- Então tudo está se acabando aos poucos ? - você perguntou assustada, sentindo o medo de não mais existir mitos e lendas que dizem que seus dedos vão se encher de verrugas por apontar as estrelas.

- Claro que não. Quando uma estrela falece, ela explode e aí criam-se corpos-celestes, chamados de supernova, cuja a massa é aproximadamente 10 vezes superior à massa do nosso astro-rei, o sol. Karen, então quando uma estrela deixa de viver, na verdade ela ...

- Ela cria mais vidas, mais estrelas, mais luzes. - você completou a frase aliviada, como se tirasse todo o gosto insosso da sua boca só de mastigar essa ideia.

- Isso, Karen.

Te beijei sorrindo.

 - No fundo, as estrelas são como o nosso amor, Hank. - você disse.

E eu ri, sorri estalando meus dedos - talvez me punindo por zombar de uma verdade em que acreditava como religião. E então me senti como um cristão gargalhando de uma piada herege.

- No fundo, bem no fundo, são mesmo.

Eu disse satisfeito, com o cruzeiro do sul deitado ao meu lado - de cabelo loiro, de riso largo, de perfume lindo, usando vestido florido rosa e que sempre apontava minha bússola para seu norte.

Unfaithfully yours,
Hank.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Pare, pense e pense mais.




Motoristas seguravam seus queixos, impacientes, enquanto aguardavam o sinaleiro dar a luz verde para poderem seguir com suas vidas de merda. Alguns mexiam em seus smarthphones, desatenciosos aos malabaristas que recreavam e preenchiam, por alguns trocados, aqueles eternos três minutos tediosos. Mulheres buscavam o próprio reflexo para garantir sua beleza - umedeciam os lábios e apertavam os olhos, aplaudindo em silêncio a perfeição de uma maquiagem bem feita. Jovens giravam, com pressa, a agulha do rádio AM para procurar algum som maneiro, ou da moda. Curiosos julgavam os pilantras de esquina e observavam eles contarem vantagem com garotos mais novos - provavelmente repetindo a mesma baboseira que escutaram quando eram mais moços dos malandros mais velhos, talvez ali, naquela mesma esquina. Idosos olhavam por cima do vidro dos óculos, atenciosos ao tráfego. Adolescentes deixavam o carro apagar e sentiam o poder do descontrole e toda a adrenalina que uma primeira volta no carro da auto-escola podiam fornecer. Crianças carentes batiam com os dedos dobrados em vidros fumês, enquanto faziam sua melhor cara-de-fome para poder convencer à todos da veracidade de sua pobreza e necessidade - na maioria das vezes sem sucesso. Em apenas três minutos observando eu vi: tediosos, distraídos, narcisistas, agitados, coniventes, sentenciosos, eufóricos, delicados, miseráveis, auto-piedosos e omissos. Eu decidi que gosto disso em Brasilia - a diversidade.

Forgive me, Father. I






- Me perdoe, padre, pois eu pequei.

- Desembucha!

- Como disse?

- Diga, meu filho.

- Que estranho, mas tudo bem. Padre, minha mulher me abandonou e eu desacreditei no amor, no casamento, em Deus...

- Continue amando - respondeu o padre -, apenas isso.

- Não consigo.

- Continue amando, oras!

- Olha isso não tem o menor sentido, padre!

O padre deu um longo trago no vinho e disse:

- Qual é a porra do sentido da vida?

- O quê? Ah, eu não sei ao certo.

- Me diga de uma vez!

- Eu não sei qual é o sentido da vida. Pronto!

- Mas no entanto você ainda continua vivendo ela ...

E deixou a frase morrer no ar.

- Entendi, padre. Finalmente eu encontrei a saída.

- Então já sabe o que fazer..

O rapaz suicidou-se três horas depois.

domingo, 9 de março de 2014

contrário do dia O





O dia do contrário


A noite começou com a primeira luz do dia.
Trabalhador honesto com um salário pica.
Nem tinha vento e os moleque lá, soltando pipa.
No congresso só trabalhava quem tinha ficha limpa.
E na esquina, neguinho só traficava poesia.

Nessa sexta-feira 13 me senti com sorte.
Meu coração que só apanhava, hoje ele bateu tão forte.
Na bandeira do Brasil estava escrito: "Igualdade ou Morte."
Aí nego se ligou que sol é o mesmo. Ele aquece o Lago Sul e a Ceilândia Norte.
No dia do contrário, parceiro, não tem ibope pra Reizin de camarote.

O pão que eu ganhei, que eu conquistei - grato, eu dividi.
Meu time não jogou legal, perdeu pro seu. Mas e daí?
Sua religião não importa, mané. Me dá um abraço aqui.
No baile alguém pisa no meu pé, e diz: - "Foi mal aí, parceiro, eu não te vi."
Dinheiro não passaria de um papel, sem valor igual capim.

Vi o sol nascer quadrado e eu nem tô preso.
Você não é o que tem no bolso e muito menos o seu emprego.
Pinóquio foi quem escupiu Gepetto.
He-man entendeu o lado do seu amigo, Esqueleto.
Nesse dia do contrário ta tão maneiro, tá difícil de encontrar defeito.

O céu todo vermelho, não tem um pontinho de azul.
Abri minhas asas e voei sem precisar de Red-bull.
Engravatados de sapato social mandando um Le-Parkour.
A cidade verde, limpa, cheirando a Bubbaloo.
Sei lá, no dia do contrário não encontrei motivos pra mandar ninguém ir tomar no cu !

Mudança



- Cara, não é por isso. Eu estou mudando...

Ele desacreditou.

- E por onde começou? Não vejo mudança alguma!

E então eu dei um sorriso bem gordo, mostrando o metal que envolve meus dentes. Ele me respondeu meio surpreso. Como se o aparelho nos meus dentes fosse mais uma questão estética, uma mudança de visual do que uma modificação no meu caráter.

- Como assim? Colocou aparelho e já sente que está mudando?

Ele sorriu.

- Cara, é uma metáfora. Não entende?

- E qual é então?

- Eu comecei cercando meus beijos.

Ele entendeu.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Diário da Minnie Mouse



Eu te via por aí, Jill, andando pelos corredores da faculdade sempre com algum livro do Nicholas Sparks pendurado pelo braço. Atrasada, bebendo água, girando a catraca - sempre com os olhos sonhadores, loucos para viverem longos capitulos de algum romance. E quando eu não sabia seu nome, eu improvisava para os amigos: "Olhem, é ela ao lado da loira. Aquela morena de chapéu engraçado." ou "Vejam, é aquela com o vestido florido e com um sorriso no rosto." E então eles olhavam e não tinham dúvidas, era você. Como se apenas você fosse morena, não se vestisse de acordo e fosse feliz durante todo o recreio. Engraçado como sempre te imaginei em uma época passada. - anos 70, 80 talvez. A época em que amores não-correspondidos viravam poesias em diários secretos. Imaginei você usando aquelas batas marrons com desenhos egípcios nos cantos, ou uma calça colorida boca de sino. Com uma flor em uma das mãos enquanto a outra sinaliza a paz, com o indicador e o maior-de-todos fazendo um "V". E tudo que eu consegui fantasiar foi a gente, Jill, de mãos dadas com um baseado aceso entre os dedos, escutando Beatles ou Rolling Stones, andando ao redor de uma grama bem verde e dando longos beijos entre um riso e outro. Hoje sou um grande amigo seu, Jill, e isso é uma saco! Me sinto como se fosse aquela pinta desenhada no canto direito do seu rosto moreno, perto de sua boca sem batom. Bem pertinho, porém longe. Longe como o horizonte, inalcançável como a felicidade. Essa vontade não passa, não adianta. E eu, lá no fundo, ainda espero que seus olhos sonhadores me vejam como o moço protagonista daquele livro de romance, que você lê a noite e guarda na cabeceira da sua cama de solteira pouco antes de adormecer. Jill, o que eu quero dizer é que eu desejo o seu corpo mulato, sua virgindade e algumas tardes no parque perto da sua nova casa. Desejo que você abra seu diário secreto, com a capa da Minnie Mouse, na página de hoje e escreva as inicias dos nossos nomes dentro de um coração rabiscado em um tom de vermelho-ocre, e que eu seja a função soneca para você chegar atrasada na faculdade no dia seguinte.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Carta de despedida


AO MEU GRANDE E ÚNICO AMOR.


Espero que leia com carinho, pois é com grande dor no coração que escrevo-lhe esta carta,
pois, pessoalmente não conseguiria dizer-lhe com sinceridade.

Devo admitir, de fato, que durante esses 4 anos, você me acompanhou em todos os momentos, sendo
eles bons ou ruins. Fazia parte na minha roda de amigos, na hora da bebedeira, na hora da aflição, e, principalmente, quando eu estava sozinho, entre outros vários momentos que numa carta seria um espaço muito pequeno para compreendê-los.

Gostaria, ainda, de me desculpar sobre nossas discursões, sobre nossas brigas, que muitas vezes eram criadas por terceiros, especialmente meus parentes e amigos, que por fim, se reflitiam em nós, de uma maneira singular..

Devo, envergonhado, assumir minha infidelidade, causada por essas brigas. Acabei indo buscar
em outras, certas coisas que não tinham em você, e, infelizmente, ou felizmente, só achei nelas o que faltava delas para se parecer com você. Nada era o mesmo, o sabor, a essência, a companhia.

E, sobre isso, com a cara no chão, lhe peço perdão.

Acerca do que se trata o prefácio dessa carta, certamente que não entenderá, mas, que pra mim será algo definitivo. Eu, não consigo mais andar ao seu lado, temos ritmos, hoje, diferentes do passado, porém, não a culpo por isso, fui eu que mudei, talvez pra pior. Meus objetivos, se refletem no meu presente, do qual devo me abdicar de certas coisas. Juro que se não fosse em último caso essa carta jamais teria um pingo de tinta dessa minha caneta, que por vários dias nos fizeram presença.

Espero que do fundo do seu coração, me compreenda, não guarde rancor, nem sinta dor.

Do seu estimado amante, cujo o maior pecado foi ter te comprado, Fumante.






Por: Martins, Ulysses. 

Qualidade de metade.




Quando não era nem criança e nem velho, era moço. E em plena mocidade nunca se é ao todo uma coisa só. Meio sem-vergonha, metade apaixonado. E então casei-me com Lisbela, e com ela reparti meu sobrenome. Metade do sertão acompanhou o casório. No altar, quebrei meu coração em duas partes iguais - metade com ela, metade comigo. Ela me prometeu metade de todo amor do mundo. O povo dançou, bebeu e meia-noite acabou-se a festa. Agora é julho, estamos no meio do ano. Eu tenho 50 e estou na metade da vida. A garrafa de vinho está pela metade, os copos estão meio vazios. O último trago que dei, empurrou a vida do cigarro para o meio da morte, da nossa morte. No relógio, o ponteiro maior aponta para o doze e o menor aponta para sua metade, para o seis. O sol lá em cima queima meio mundo, é meio dia! A morena que sentava aqui se viu dividida entre mim e sua cara metade. Você acredita que o moço tem apenas o meio de minha idade? Da vida, não viveu nem a metade! "Não estou feliz por completo com você.", disse Lisbela, noite passada, enquanto abotoava três de seis botões de sua camisola velha - que não valia meio cruzado. Preferiu o moço, claro. Disse que sou um homem medíocre. Me vi só com a metade de mim mesmo. Lisbela levou metade de minhas terras, de meu dinheiro e, ainda, aquela metade de coração jovem que dei a ela enquanto dividíamos a alegria na cama. Agora me sinto um homem incompleto, dividido entre a tristeza e a saudade. Um velho mediano, com a metade que me restava do coração também partido em mais dois. Meio triste, meio carente, meio vivo, meio morto. Com meio coração não se vive bem. Mas o pior, meu filho, é saber que a metade minha que carrego no peito, só se importa com a outra metade da cama, onde não existe mais o perfume e os beijos de Lisbela.

A paixão disse: - ''alô?''.



Sua voz era exatamente como imaginei: suave, doce. Confesso que estava nervoso, não sabia direito o que falar. Então você atendeu, descontraindo-me totalmente. Como me senti um idiota, um tolo. Mas valeu à pena. Valeu meu dia, ou até minha semana. Há quem diga, que fez valer minha felicidade, meu sorriso embasbacado numa manhã a cinco graus célsius caminhando pela escola. Talvez seu sorriso por ter vergonha de voltar um ”te amo” me faça ter alucinações, me faça ter aquele brilho no olhar por recitar seu nome contando aos amigos que eu te liguei ontem. Também tem seus recados de ciumes, que me fazem sentir que valho à pena para alguém, que não seja aqueles que precisam de mim para algo fútil, mas que me faça sentir reciprocidade naquilo que, eu acho, que já estou sentindo por você.

Por:  Fiorote, Erick.