sábado, 26 de outubro de 2013

Talvez o amor seja isso; VIII

Duas flores conversavam.

Uma linda rosa vermelha e uma flor de papel branco.

A rosa disse:

- Sou conhecida como a rainha das flores e, no Egito, eu sou dedicada à grande deusa Ísis. Na mitologia grega, a deusa Afrodite me deu de presente para o seu filho Eros, o deus do amor. Eu estou em jarros de casamento representando a solenidade de um momento tão raro. Minha beleza e perfume simbolizam o amor. Exibo a paixão em buquês de dia dos namorados e, em camas de lua de mel, eu sou um coadjuvante que segura a escada para o romance subir até às estrelas do prazer. Muitas vezes sou um ombro amigo, pois em enterros eu acalento almas tristes e choronas. Posso afirmar que sou a melhor entre todas as flores.


O Origami respondeu:

- Eu sou para todo o sempre.

Talvez o amor seja isso; menos vaidade, menos prazo de validade e mais longevidade. Talvez o amor seja uma dízima periódica, um infinito, um horizonte, o céu, o 3.14159265359...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Talvez o amor seja isso; VII



Uma mulher, semi nua, de cabelos loiros e encaracolados deslizava preguiçosamente nos braços de um homem forte, com uma armadura rasa e escassa. Ela repousava o olhar para sentir cada toque grotesco do rapaz. Ele a fitava e a submissão naquele olhar o excitava. O peitoral de ambos tinha a saliência sexual que exteriorizava o desejo e o prazer de uma perversão no meio da floresta, em plena natureza. Esse casal selvagem estava pintado em uma garrafa plástica vazia de catuaba, jogada no canto do quarto junto com dois copos sujos, um cinzeiro cheiro de quimbas e um maço de cigarro quase vazio.

O quarto perfumado com cigarro acolhia dois jovens embriagados e felizes. Eles comemoravam o nó reatado, a volta. A farra era a prova que a vida sempre dá uma segunda chance. E então o amor calçou seus velhos sapatos e andou sorrindo por aí, admirando ioiô-ioiôs e bumerangues, sussurrando por gestos a frase: "tudo que vai, um dia volta."

O rapaz, feliz e completamente apaixonado, só queria demonstrar todo seu amor de uma maneira mais sexual e violenta. O vestido florido dela já estava no chão, e ele beijava a barriga dela com vontade, descendo bem devagarinho. Depois de envernizar todo o tronco daquela macieira magra ele ficou surpreso quando a moça disse:

- Não, meu bem, hoje não. Por favor? - implorou a negação de uma vontade que ela mesma tinha.

Ele deixou escapar um riso desacreditado.

- Eu não lembro há quanto tempo estamos de casados, mas depois de tanto tempo, meu bem, eu sei que só existem dois motivos nessa vida que fariam você desistir de uma trepada de reconciliação.

Ela sentiu brasas por toda a maça do rosto.

- O primeiro motivo seria por vergonha. - disse o rapaz, sorrindo um riso bobo. - Você está peluda igual uma macaquinha, amor?

- Não, seu bobo! Olhe você mesmo. - e tirou a calcinha. - Lisinha como você adora, Rodrigo.

- Então sobra apenas o segundo motivo, você está de chico?!

- É, o sinal está vermelho - ela disse desapontada.

Ele riu de novo. Como se o riso fosse uma corda para falar, um impulso, uma necessidade natural como respirar.

- Não para mim, eu vou amar você o mês inteiro à partir de hoje. Foda-se a cor do sinal! Estou a 200 km/h e estou sem freio. E nesse momento estou derrapando em todas as suas curvinhas magricelas. Não vejo, graças a Deus, um acostamento cheio de mato para amortecer minha queda, pois hoje eu quero ver é sangue, muito sangue! - dessa vez ele gargalhou até perder o fôlego, era o aplauso ruidoso da própria piada, muito engraçada por sinal. Depois ele refletiu e disse:

- Eu te amo em todos os períodos da sua vida, meu bem, e vou fazer você gozar em todos eles.

E então ele enfiou, gentilmente, dois dedos dentro dela. Enquanto ele mordia a própria boca em um sinal mentiroso de capricho e cuidado, ela tinha uma cara de preocupação, mesmo que exagerada. Ele retirou seus dedos disfarçados em pinceis e aquela tinta vermelho-ocre-escuro, que banhava o indicador e o dedo médio, escorria viva, em gotas. Como em um ritual indígena, ele pintou o rosto do lado direito, fazendo duas listras retas e gordas na bochecha. Depois repetiu o rito e lambuzou todo o lado esquerdo, copiosamente. Na terceira vez, ele fez um coração em sua própria testa.

Então o rapaz, banhado em sangue feminino, abriu bem a palma de sua mão esquerda e a lançou em sua boca que gritava, abafando o som. Repetiu isso algumas vezes e dançava ao mesmo tempo, feito uma festa de uma tribo nativa para pedir chuva para a aldeia, ou adorar o deus-sol de algum povo aborígene selvagem.

Ela sorriu um tímido riso e tentou esconder os dentes. Ela olhou a garrafa vazia, os cigarros amassados com força dentro do cinzeiro, os copos sujos, viu seu vestido florido deitado de uma maneira apressada no piso do quarto. Ela observou o vento alisando devagar a cortina branca de rendas leves, soprando um assobio musical e rítmico pela janela daquele quarto imundo e sentiu no fundo de sua alma que estava acontecendo, ali mesmo, um daqueles momentos que você se lembra pelo resto da sua vida. Fez uma prece silenciosa e agradeceu a Deus por isso, qualquer deus.

- Seu bobo, eu te amo - disse ela.

- [...]

E ele tinha sua própria maneira de responder.


Talvez o amor seja isso; fazer de um dia qualquer um casamento, e do reatar, um inesquecível programa de índio.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Sonhos


- .. e mais, também foi revelado usando pontas de barbantes queimados, o metal de obturações de dentes precários e os pisca-piscas de natal. E então foi incrível e maravilhoso, foi mágico! Acordei suada, agitada e, por mais bobo que seja, acordei uma pessoa diferente, Rô. Acordei com uma ideia nova, como se eu tivesse passado por um momento de epifania, entende? Despertei com uma lágrima de felicidade no olho, e também com um olhar diferente. Consegui experimentar cada ponto doce do êxtase e enxergar todos os detalhes que dão vida a uma fantasia. Quase morte, quase vida. Rô, agora tudo o que tenho a fazer é encontrar um livro que traduza o significado desse meu sonho lindo e ver o que realmente ele quer dizer.

- Como assim? - disse.

- Oras, preciso ter certeza.

E se, por algum motivo ou acaso, Deus tivesse esquecido de colocar a palavra 'Amor' na bíblia? Será que essa garota desacreditaria do amor?

- Mas você já não sente, lá no fundo?

- Sim, mas preciso ter certeza, absoluta certa! Entende, Rô?
  
Como se pelo simples fato dela duvidar de seus medos, o monstro deixe de existir de baixo da sua cama durante a noite.

- A confirmação de uma fé ou a resposta de um sonho não estão traduzidas em um livro, elas estão cravadas no fundo de nossas almas. Basta sentir. Não abra um livro que tente determinar o ilimitado, abra seu coração. Sonhos são uma janela para a sabedoria, e o jardim inteiro é o verbo sentir. Então penas sinta, sinta o perfume das flores.

domingo, 20 de outubro de 2013

Ora, cale-se !



E então o silêncio entre o casal permanece, e isso não é ruim. A responsabilidade da conversa a torna preguiçosa e chata. É preciso ter intimidade com o sentir para absorver, feito esponja, a prece calada que a mudez tem a oferecer. Pessoas tem aquela maneira de sempre ter algo a falar, as vezes deixando escapar pequenos segredos, apenas para evitar o desespero e pavor da ideia de um silêncio constrangedor. O beijo, o cigarro depois do sexo, o pôr-do-sol e a flor que desabrocha, eles obsoletam essa praxe barulhenta e sem sentido que é a necessidade de sempre ter alguma coisa a dizer. Os prazeres da vida são um sussurro baixinho, abstrato e gentil, e não um condicionamento pavloviano sobre reflexo, estímulo e resposta. O grito é o socorro ou a raiva, o silêncio é a paz ou a reza.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Não existe amor em BSB ♪



O ponteiro menor do relógio da praça da cidade mirava para o 11. O mormaço presenteava acúmulos salgados de água em buços femininos, que eram limpos com as costas das mãos de mulheres apressadas que passavam por ali. Homens ansiosos tentavam disfarçar as rodelas de suor que encharcavam a parte da axila de suas camisas claras. A cidade estava distraída, e talvez por isso ninguém tenha reparado na fonte; ela chorava rios d'água e o sol banhava todas elas, porém as mais solitárias delas frutificavam um fenômeno óptico incrível: o arco-íris. Alguns moradores de rua calçavam sandálias menores que seus pés e pediam ajuda, mendigavam sempre ágeis e rápidos - pela comida ou pelo cigarro. A fome e o vício tinham pressa, mas isso não envolvia um casal de cegos. Eles conversavam baixinho, feito uma prece, e sorriam um para o outro. Eles tinham calma, dançavam valsa, sempre atentos ao som, ao tato, ao cheiro, e sentiam o prazer de não serem amaldiçoados com a visão - ela é enganadora, ela te trai. Cupidos decepcionados jogaram fora seus arcos e flechas, e se aposentam. O amor é uma piada. Amores à primeira vista são impossíveis nesse mar de tecnologia, a cidade está muito ocupada deslizando seus polegares nas telas de seus smartphones.

O cego pegou na mão de seu arco-íris.

Ela deu um riso gordo.

E eu descobri que a mola propulsora para o desamor é a desatenção e a falta de tempo para nós mesmos.

sábado, 12 de outubro de 2013

AFEITO

Acordei duas horas antes de ti e repousei meu olhar sob teus pequenos cachos e tua pele que exala a quantidade exata de melanina que eu necessito. O dia anterior tivera sido teu aniversário, e mais uma vez você estava com outra pessoa toda a noite, e mesmo assim, eu fraca como sou perante você, aceitei dormir contigo. Não consigo descrever o que se passava em minha mente naquela manhã, e não posso afirmar que fosse algo exatamente bom. Insisti em me lembrar desde o primeiro beijo até aquela foda algumas horas antes, que poderia ser a última, e que de acordo com as pessoas que insistem em me aconselhar, já deveriam ter deixado de acontecer há algum tempo. O observei nessas duas horas, buscando em meus pensamentos descobrir onde te perdi, onde você esqueceu aquela reciprocidade e aquela vontade de estar junto que havia quando começamos, e procurei entender que realmente era tudo muito bom pra ser verdade, os apelidos, o parque, o cinema, o sexo, o beijo, tudo é infinitamente inesquecível, mas em algum momento que não consigo saber qual foi, eu te perdi. Reconheço que tudo pode ter sido exatamente por minha culpa, porque eu tenho algum distúrbio que faz eu me afastar das pessoas quando começo a me apegar demais, pode chamar de medo, ou pode chamar do que quiser, mas sei que não sou de tudo culpada, pois se tivesse sido tudo tão inesquecível e novo como você insistia em falar, você não teria deixado ir tão fácil. Somos dois covardes, com medo de qualquer envolvimento maior que o sexo, e por isso eu vivo uma infelicidade momentânea sempre que me lembro de nós. E não paramos, e não vamos parar tão cedo, porque apesar do mal que você me causa, o bem ainda insiste em ser maior. Eu ainda sinto arrepios com sua respiração, e só de ouvir tua voz sinto uma vontade insana de te arrastar pra um canto e te fazer um daqueles boquetes caprichados que te deixam desnorteado. Sinto-me uma drogada, viciada, dependente, mas eu não quero me curar, quando quiser você saberá.



Autora Desconhecida kk