segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Desmembrando uma frase



Entre aqueles dentes claros como as teclas brancas de um piano, uma frase escorregou pra fora de sua boca surrada de batom com a elegância de uma valsa e a alegria de uma criança. Ela disse:

- Meu bebê, eu te amo.

E todo o universo continuou igual - A lua afastando-se da terra cerca de 3,8 cm por ano. Os redemoinhos de marte e seu tom avermelhado. O telescópio Hubble passeando pela órbita do nosso planeta. Saturno com suas 34 luas ...

Na Terra tudo também continuou igual - Homens fazendo promessas de fim de ano que não irão cumprir e que não irão se sentir mal por isso. Mulheres mentindo a idade e a numeração de seus sapatos de bico fino. Pessoas indignadas com seu governo por terem apenas a participação simbólica do 'voto', e serem obrigados, em uma democracia, a escolher entre meia-dúzia ou seis. Advogados pagos para comprar a liberdade do ladrão. Adolescentes deslizando seus polegares em seus smartphones pelas ruas. Jovens sonhadores, olhando para o céu e buscando inspiração no brilho de uma estrela no céu já falecida, pois ela provavelmente já morreu há muitos anos, e o que eles vêem é apenas uma velha fotografia guardada nas profundezas do porão de lembranças que valem a pena serem observadas e revividas.

Nada mudou!

Ainda assim ele sentiu a honestidade e o amor naquela frase. Um desatento ficaria impossibilitado de observar o tom que ela pronunciou cada palavra.

O pronome possessivo 'Meu' ela disse como se fosse um palavrão, uma coisa indizível. Ela sabia que escravizar uma pessoa põe prazo de validade em qualquer paixão. A liberdade é a cola que gruda dois corações, e tirania é a água quente que separa a penetração de cachorros que fazem amor em plena luz do dia em ruas congestionadas, trazendo dor no que deveria ser um momento de ecstasy.

O 'Bebê' saiu desajeitado, atropelando a seriedade do momento. Mas isso fez ele sorrir. E um riso é sempre bem-vindo em qualquer momento da vida.

O 'Eu' foi tímido, e ela sussurrou como se fosse uma prece, um segredo que todo mundo já sabe.

As duas últimas palavras, 'Te Amo', ela disse em um tom corajoso, quase mágico! Como se aquele frase milagrosa ressuscitasse cada estrela morta no céu, distribuindo inspirações para jovens sonhadores que não se cansam em acreditar no poder das estrelas.

E então tudo mudou na vida daquele homem, e nada permaneceu igual no universo daquele rapaz.

Hoje ele gira na órbita do esmalte daqueles dentes brancos, ajudando a borrar aquele batom de gosto de baunilha.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Partido Das Crianças.



Meu sobrinho, de seis anos, certa vez entrou na sala com uma tristeza nos olhos e uma esperança surrada no colo. Deu pra reparar que ele ainda estava memorizando uma pequena frase, pois ele olhava para cima e mexia um pouco os lábios, como alguém que anota mentalmente um número de telefone e fica repetindo baixinho, como em uma prece, para pode decorar. E disse:

- Titio, passou agora na TV que vai haver outra guerra, e que essa pode ser a última que o planeta pode suportar. A moça do jornal disse também que dois presidentes discutiram e agora eles vão destruir nosso lar. Ela também disse que esses chefes de estados têm enormes exércitos, mas jamais brigam suas próprias batalhas, eles apenas assistem.

Eu mal pudia acreditar na indagação política do meu sobrinho de seis anos...

Ele continuou:

- Tio, uma vez no treino de futebol o capitão do outro time me deu um carrinho por trás e eu caí feio no chão. O time inteiro ficou revoltado! Então eu me levantei, arrumei a braçadeira de capitão no meu braço esquerdo e sorri gentilmente para ele, e isso acalmou todos os outros dez jogadores do meu time. Ele também foi diplomático - apertou minha mão, se desculpou e sorriu, e isso fez os outros dez jogadores do time dele sossegar. Acho que no fundo nós dois sabíamos que se a gente fosse brigar, o jogo iria acabar e a torcida não ia gostar nada disso.

"Grande metáfora", pensei comigo mesmo.

E continuou:

- Sabe, tio, as vezes o que eles precisam é de uma atitude mais amistosa: dar as mãos, sorrir e ter a consciência que a braçadeira de capitão - ou a faixa de presidente -, significa ser responsável pelo time inteiro - ou o país todinho -, e que depende da atitude deles não acabar com o campeonato - ou com o próprio mundo.

Ele saiu da sala desapontado com seu governo.

E foi a partir desse momento da minha vida que eu comecei a pensar em um mundo governado por crianças.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Talvez o amor seja isso; IX



Vindo em minha direção, seus tornozelos pareciam um pouco indecisos e meio preguiçosos. Seus joelhos te davam um andar atrapalhado, e eu ainda acho um pouco de graça quando lembro. Com certeza seu espelho te enganou dizendo que aquela calça de jeans desbotada e um pouco folgada te caía bem. Com seus ombros largos ficou bem evidente o fato de você sempre tentar se diminuir, se limitar ou se esconder. O tom da sua voz foi a razão de eu entender o por quê de seu endereço de e-mail cafona; e ainda que você comemore o seu trigésimo aniversário, vai ser impossível não te achar menininha se ainda permanecer o calmo, melódico e meigo som da sua voz de garotinha. O aparelho em seus dentes não impedia você de gargalhar bem alto, e apesar de esconder o branco-pálido de seus dentes tortos, esse riso gordo deixava ver o lume cristalino do seu coração e a transparência da sua alma.

Mesmo com toda imperfeição que meus olhos pudiam pescar, sua áurea brilhou forte, cegando meus olhos. Então eu comecei a enxergar com o coração.

E então de pertinho, eu percebi que à cada pergunta minha que você respondia sorrindo, seus olhos buscavam o teto e depois deslizavam para a esquerda, para o lado que busca as lembranças do cérebro - e isso só quer dizer que toda palavra que saia da sua boca era uma memória, algo vivido, uma verdade. Mais perto ainda eu senti o seu cheiro e, porra, como era bom. Era o mesmo perfume de um bom livro que ninguém jamais leu. Um pouquinho mais perto eu segurei seu queixo pontudo e cavei com ele uma saída dessa prisão sem grades que eu mesmo construí dentro de mim, a prisão de um velho amor. Essa árvore fez uma sombra nesse deserto quente, e foi abraçando essa nogueira que eu decidi amarrar minha rede e dormir um sono leve para me tornar um onironauta e fazer nós sermos reais em um sonho lúcido, na dúvida da gente ser apenas uma fantasia em um realidade maluca.

Mais perto ainda eu te beijei.

E te amei.

Hoje seu andar de mulher é decidido, firme. Hoje, mesmo sabendo que, com certeza, seu reflexo será gentil com seu ego, você já não precisa confirmar sua beleza diariamente no espelho; você já acorda com essa certeza. A parte metálica do seus dentes, agora alinhados, sumiu e eu tenho até saudade dele - eram como para-raios para a eletricidade do meu beijo. O riso, o tom gentil da fala e a áurea límpida continuam iguais.

De longe eu desejo seu beijo

E ainda amo você.

Talvez o amor seja isso; perceber que a estrutura molecular renovou todo o seu corpo e eu ainda continuo amando igualmente a sua essência, o que realmente importa. O próprio motivo que se dá o primeiro beijo é o que o impede que se torne o último.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Prisão Diastema





O olhar perdido cor de neon. Ela as vezes olha para o nada e sorri sozinha, como se lembrasse de uma piada ou soubesse um segredo sobre a vida que ninguém mais sabe. É um sorriso que nasce no canto do lábio, vai crescendo e cria forma. Ele emerge daquela sombra de invisibilidade e, de repente, esse riso meio rouco de mulher vira o norte de toda bússola masculina que tenta encontrar um sentido naquele olhar misterioso, gentil e distante. É tanto sentimento que exala dessa risada ímpar - alegria, simpatia, aventura, harmonia, afeto, fidelidade, amor e um pouco de saudade. Tudo junto! -, que todos acabam extinguindo suas melhores piadas só para ouvir um pouco dessa melodia, como se esse esforço fosse um ingresso para ouvir um pouco mais de 15 segundos da sua banda predileta, e claro que sempre valia a pena. A vontade unanime é laçar o riso dela e dar uma volta com ele por toda a praia; ao pôr-do-sol, ouvindo um reggae e batendo o dedo indicador de leve no baseado para a cinza fazer um rastro de alegria, indicando o caminho de volta no qual ninguém trilhava. O hálito que perfuma essa gargalhada tem uma chuva de feromônio bem pertinho do céu da boca dela, e isso é imã para homens de bem, com a áurea saudável, e assim eles vão flutuando em fila indiana em direção à superfície do seu beijo salgado e abrasador, um beijo nativo à caiçara.

E eu, despretensiosamente, me vi desejando esse riso e esse beijo como meus feriados pessoais, sentindo uma aspiração de ter essa garota como minha companheira perpétua. E foi assim que fiquei preso para sempre no pequeno intervalo entre seus dois dentes da frente, onde todos apelidaram com um eufemismo gentil de Prisão Diastema. A rebelião existe dentro dessas duas barras de porcelana brancas, porém a exigência é sempre ficar enjaulado um pouco mais nesse lar aconchegando e congestionado. A febre desse impulso é tão encorajador que transforma qualquer mortal em um obcecado, e foi exatamente isso que me fez jogar a chave fora. Deslizei gozando no esmalte desses dois dentes livres de cáries, e isso fez minha fé crescer na casa da certeza, certeza absoluta que já não é uma escolha minha estar ou não ali, é um destino já escrito em linhas tortas por mãos trêmulas. E basta à mim aceitar.

Então eu aceitei.

Aceitei o meu destino.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

11/12/13




Essa ordem crescente de datas provavelmente só irá aparecer daqui a alguns anos. Mais uma raridade passou de baixo do bigode da sociedade e ninguém reparou. Um panda andando de patinete, fumando cachimbo e fazendo contas matemáticas absurdas; ninguém viu! Quantos cheques foram assinados e ninguém enxergou? Quantos cabeçalhos foram preenchidos e ninguém percebeu? Eu acordei e senti. Abri o olho e vi. Para mim foi mais um dia especial. Foi um dia sem cigarros e bebida, sem fornicação ou masturbação. Quase um irmão oblato! Sem mentiras, frequentando academia, evitando café e pornografia. Enxuguei essa data rara feito uma esponja seca, porque sei que essa raridade só irá reexistir daqui uns cem anos, na data de 1º de fevereiro de 2103 - 01/02/03, e eu sei que vou estar podre dentro de um caixão qualquer.

E você que leu essa merda toda que escrevi e balançou a cabeça, aplaudindo em silêncio o que eu acabei de escrever, eu tenho uma notícia pra você: Foda-se, sua burra(o)! Você tem que aproveitar todo os dias, porque todo o dia é improvável, é uma improbabilidade de acontecer. É raro! Se você decidiu estereotipar de raro uma ordem crescente de datas só porque acontece com um intervalo de tempo muito farto, então pense no seguinte: O dia de 12/12/2013, o hoje, não vai acontecer nunca mais! 

Talvez você já esteja enterrado num caixão podre.






Eclesiastes 3

11- Ele fez tudo apropriado a seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez.

12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.

13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho, é um presente de Deus.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aptidão para idiotice.




- Já que a ama tanto então vá atrás dela, jovem.

- Não posso, sinto que não mereço.

- Jovem, você explode portas que já estão abertas, sabia disso? O que ela acha dessa situação?

- Na verdade, senhor, ela me ligou me perguntando exatamente isso. Acho que ela bebeu demais e questionou o por que não fui atrás dela até hoje...

- Então, no caso, você acaba explodindo portas onde nem sequer existem muros! Você é um perfeito idiota, sabia disso?

- O que posso dizer? Eu tenho essa aptidão para a idiotice.

A auto-culpa e o não-merecimento transformam em algo demoníaco o que devia ser dos deuses, algo angelical e divino. É como ter um belo quadro pintado e depois surrá-lo com tinta branca, voltando tudo sem vida, sem cores, sem paisagem. E então tentamos buscar desculpas tolas em alguns versículos da bíblia, pichações em muros ou em refrões de músicas antigas para não receber esse presente que nos foi dado pela vida com tanto amor e carinho. E diferente daquele esmalte que você perdeu no seu quarto bagunçado, quanto mais se procura, mais você acaba achando.

Dezembros



01/12 - O calendário do escritório, pela décima-primeira vez, virou uma folha que representa um mês do ano. E assim Dezembro chegou incrivelmente tímido, chuvoso e sonolento, como de praxe.

05/12 - Deixei de ir ao show de uma das bandas que mais gosto por causa de uma epifania pessoa para um crescimento espiritual. Foi incrível.

17/12 - Meu aniversário! Viva! Provavelmente vou me embriagar com meus amigos mesmo caindo em um dia de semana. Vou receber algumas ligações desejando paz e amor, alguns abraços entregando essa paz e esse amor e algumas mensagens no Facebook que não vão fazer o menor sentido e que não irão significar porra nenhuma. Mas a noite vai terminar bem, provavelmente com um boquete e com um sono bem leve - minha cabeça e minha ociosidade de fim de dia repousando devagarinho na volta de um ombro feminino e de braços largos, enquanto meu dedo indicador brinca com a auréola rosada de um seio firme e com marcas de piscina ou praia.

24/12 - A ceia em família. A tão aguardada véspera de natal. É justamente nessa época do ano que todos começam a fazer secretamente promessas que jamais irão cumprir, e que não vão se incomodar por não honrá-las à risca. É incrível como essa harmonia cosmética e exagerada me faz ficar enojado e emocionado em um ritmo impressionante. Ao mesmo tempo que um grande abraço acontece entre você e o seu vizinho que mal conhece, você é capaz de economizar alguns reais no amigo-oculto para bancar a despesa que só você contribuiu. - "Mãos de vaca!" - você pensa de uma maneira sigilosa enquanto abraça seu primo folgado e seu cunhado sacana.

25/12 - Cristo nasceu, o peru morreu e a missa é do galo! Mas de alguma forma o velhinho com uma cara simpática e roupas vermelhas está no comercial do horário nobre e nos sugestiona a comprar, comprar e comprar. Papai do céu saiu de sua casa nas nuvens e andou entre nós nos ensinando coisas boas como: ajudar o próximo, amar seu inimigo, ser caridoso e a abraçar prostitutas, mas eu acabei comprando uma calça da Calvin Klein e um smartphone da Samsung - malditas propagandas!

31/12 - Último cigarro, última bebida, última carreira de cocaína, último baseado. Vida nova e blá blá blá..