quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Talvez o amor seja isso; IX



Vindo em minha direção, seus tornozelos pareciam um pouco indecisos e meio preguiçosos. Seus joelhos te davam um andar atrapalhado, e eu ainda acho um pouco de graça quando lembro. Com certeza seu espelho te enganou dizendo que aquela calça de jeans desbotada e um pouco folgada te caía bem. Com seus ombros largos ficou bem evidente o fato de você sempre tentar se diminuir, se limitar ou se esconder. O tom da sua voz foi a razão de eu entender o por quê de seu endereço de e-mail cafona; e ainda que você comemore o seu trigésimo aniversário, vai ser impossível não te achar menininha se ainda permanecer o calmo, melódico e meigo som da sua voz de garotinha. O aparelho em seus dentes não impedia você de gargalhar bem alto, e apesar de esconder o branco-pálido de seus dentes tortos, esse riso gordo deixava ver o lume cristalino do seu coração e a transparência da sua alma.

Mesmo com toda imperfeição que meus olhos pudiam pescar, sua áurea brilhou forte, cegando meus olhos. Então eu comecei a enxergar com o coração.

E então de pertinho, eu percebi que à cada pergunta minha que você respondia sorrindo, seus olhos buscavam o teto e depois deslizavam para a esquerda, para o lado que busca as lembranças do cérebro - e isso só quer dizer que toda palavra que saia da sua boca era uma memória, algo vivido, uma verdade. Mais perto ainda eu senti o seu cheiro e, porra, como era bom. Era o mesmo perfume de um bom livro que ninguém jamais leu. Um pouquinho mais perto eu segurei seu queixo pontudo e cavei com ele uma saída dessa prisão sem grades que eu mesmo construí dentro de mim, a prisão de um velho amor. Essa árvore fez uma sombra nesse deserto quente, e foi abraçando essa nogueira que eu decidi amarrar minha rede e dormir um sono leve para me tornar um onironauta e fazer nós sermos reais em um sonho lúcido, na dúvida da gente ser apenas uma fantasia em um realidade maluca.

Mais perto ainda eu te beijei.

E te amei.

Hoje seu andar de mulher é decidido, firme. Hoje, mesmo sabendo que, com certeza, seu reflexo será gentil com seu ego, você já não precisa confirmar sua beleza diariamente no espelho; você já acorda com essa certeza. A parte metálica do seus dentes, agora alinhados, sumiu e eu tenho até saudade dele - eram como para-raios para a eletricidade do meu beijo. O riso, o tom gentil da fala e a áurea límpida continuam iguais.

De longe eu desejo seu beijo

E ainda amo você.

Talvez o amor seja isso; perceber que a estrutura molecular renovou todo o seu corpo e eu ainda continuo amando igualmente a sua essência, o que realmente importa. O próprio motivo que se dá o primeiro beijo é o que o impede que se torne o último.


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