quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Qualidade de metade.




Quando não era nem criança e nem velho, era moço. E em plena mocidade nunca se é ao todo uma coisa só. Meio sem-vergonha, metade apaixonado. E então casei-me com Lisbela, e com ela reparti meu sobrenome. Metade do sertão acompanhou o casório. No altar, quebrei meu coração em duas partes iguais - metade com ela, metade comigo. Ela me prometeu metade de todo amor do mundo. O povo dançou, bebeu e meia-noite acabou-se a festa. Agora é julho, estamos no meio do ano. Eu tenho 50 e estou na metade da vida. A garrafa de vinho está pela metade, os copos estão meio vazios. O último trago que dei, empurrou a vida do cigarro para o meio da morte, da nossa morte. No relógio, o ponteiro maior aponta para o doze e o menor aponta para sua metade, para o seis. O sol lá em cima queima meio mundo, é meio dia! A morena que sentava aqui se viu dividida entre mim e sua cara metade. Você acredita que o moço tem apenas o meio de minha idade? Da vida, não viveu nem a metade! "Não estou feliz por completo com você.", disse Lisbela, noite passada, enquanto abotoava três de seis botões de sua camisola velha - que não valia meio cruzado. Preferiu o moço, claro. Disse que sou um homem medíocre. Me vi só com a metade de mim mesmo. Lisbela levou metade de minhas terras, de meu dinheiro e, ainda, aquela metade de coração jovem que dei a ela enquanto dividíamos a alegria na cama. Agora me sinto um homem incompleto, dividido entre a tristeza e a saudade. Um velho mediano, com a metade que me restava do coração também partido em mais dois. Meio triste, meio carente, meio vivo, meio morto. Com meio coração não se vive bem. Mas o pior, meu filho, é saber que a metade minha que carrego no peito, só se importa com a outra metade da cama, onde não existe mais o perfume e os beijos de Lisbela.

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