domingo, 19 de janeiro de 2014

Onde o ar anda apressado.




A lua subia alto no céu, fatiando as poucas nuvens que teimaram em sair para passear naquela noite fria de Janeiro. O brilho das estrelas era fraco, elas brilhavam cansadas e iluminavam pouco - como um cantor de músicas tristes sob a luz baixa de um pequeno pub. Era a primeira sexta-feira cinza do mês. Foi o primeiro verão sem sol do ano. E na varanda de uma casa, do lado norte do mapa, dois rapazes conversam. 

Cadu, o moço com mais vodca no sangue, disse de uma forma rude, como se as palavras que saiam pela sua garganta fossem azedas feito bile de vômito.

- Os homens são traiçoeiros e a humanidade é má! E o amor que eles insistem dizer que sentem é pura ficção, algo inventado por sonhadores que não estudaram os grandes filósofos do passado! O ser humano é egoísta e você, Will, é o maior deles.

Will apenas disse:

- Qual é o antônimo de egoísta?

- Altruísta! - respondeu Cadu.

- Certo, continue.

E Cadu prosseguiu, agora com um pouco mais de vodca em suas veias.

- Não vai dizer nada? Não sabe debater?

- Não me acho tão egoísta, Cadu. Você é meu amigo há anos, você mesmo sabe. 

- Will, mas isso não é um defeito. O egoísmo é uma coisa boa, acredite! Pessoa ajudam umas às outras para receber em dobro. Homens rezam para seus deuses apenas para chegar aos céus. Mulheres dão amizade esperando uma reciprocidade imposta. Não associe egoísmo com uma coisa negativa. O preço que se paga por uma convivência tolerável em nós humanos, é pago com o suor do egoísmo.

- Desculpe, Cadu, mas não penso assim. Muitas pessoas dão sem ter ao menos a expectativa de receber algo em troca. Seja dos homens ou de seus deuses.

- Como você pode falar isso, Will? Você é o pior. Você usa uma bondade cosmética e recebe em troca uma gratidão honesta. Como você consegue dormir a noite? Você dá uma esperança de mudança e em troca faz malabarismos com corações, deixando cair um ali, outro aqui, e ainda por cima não se sente mal por isso. Você é o cara mais egoísta que eu já conheci. 

- Obrigado.

- Hã? O quê? Não, o que você acha disso?

- Acho que você precisa ler menos René Decartes e um pouco mais de Shakespeare, Cadu. Você é muito cérebro, muito racional. Pra enxergar esse meu mundo, primeiro você tem que tirar as lentes embaçadas da lógica e passar a olhar as coisas com o coração.

Cadu puxou todo o ar que pode reunir e soltou de uma forma bem exagerada. O tédio. O blá blá blá. A mesma conversa fiada sobre esse sentimentalismo barato ...

Will, desviando o assunto, disse:

- Você desacredita do amor, mas já disse que ama sua mãe, seu irmão, seu pai ..

- Sim, mas foi só pela felicidade deles. Eu sabia que faria bem para eles.

- Ganhou algo em troca, Cadu?

- Claro.

- O quê?

- Eles ficaram satisfeitos em ouvir, se sentiram alegres.

Will disse entusiasmado:

- Aha! O nome disse é altruísmo.

Cadu sorriu um riso de deboche e disse:

- Puro egoísmo, Will. Foi apenas pra ver a felicidade deles. São minha família, não custava nada. Continuo achando que amor é apenas uma palavra qualquer.

- Cadu, você soprou o ego pra bem longe do seu ser. O nome disso não é egoísmo. Você abriu mão do seu pensamento a respeito do amor e disse uma coisa em que nem acredita só para a felicidade de um outro alguém, e tudo que recebeu de volta foi a alegria de quem você gosta. O nome disso não é egoísmo, Cadu, é amor.

Cadu olhou para o nada por alguns instantes.

Will olhou as estrelas e elas estavam um pouco mais contentes.

Os dois viram algumas cores em um dia tão frio, tão cinza. 

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