quinta-feira, 3 de abril de 2014

O amor pelo terror.




Coloquei o marcador entre as páginas 213 e 214, olhei o relógio - eram 18:15 - e respirei todo o mormaço daquele fim de tarde.

O ônibus se arrastava devagar pelo congestionado trafego. O canto dos pássaros era abafado por buzinas e palavrões. O calor do verão desmentia todos os comercias de desodorantes, e as rodelas de suor nas axilas apodreciam camisas novas e mal passadas. Mulheres assopravam seus decotes fartos, enquanto homens enxugavam a umidade em suas testas com as costas das mãos. Trabalhadores honestos, apressados e católicos, amaldiçoavam suas vidas num sussurro baixinho, como numa prece maldita. As pernas tremiam, os olhos injetados de cansaço. O corpo implorando sossego. Um inferno. Pelas janelas do lado direito o pôr-do-sol murchava, deitava cansado em um sono preguiçoso e assustado - um pedaço do paraíso naquele inferno.

- Outro acidente, porra! - disse o motorista para ninguém em especial. - É o terceiro que vejo essa semana.

Todos cansados, mas mesmo assim a maioria delas esticaram o pescoço para ver aquela desgraça. Alguns até se levantaram, aplaudindo de pé a catástrofe. Outros gastavam o resto de suas energias cochichando sobre o desastre de um jeito imbecil e estúpido.

Continuei atento no degradê do céu. Do azul claro abraçando o laranjado aos poucos. Ainda conseguia ver o vermelho ocre raso no horizonte. Em um ônibus tumultuado eu me senti completamente sozinho, apenas eu olhava por essa janela.

Por quê insistem em olhar essa tragédia? Eles não sabem o que estão perdendo...

Só depende deles, pensei.

A verdade é que eles gostavam de ver aquilo - o terror. Os cadáveres. O sangue. O carro batido. As marcas de pneus desenhadas no chão. Eles adoram! É o que vende: a tragédia é a capa do jornal; o noticiário; os filmes de ação; as conversas de bares; os rádios; os livros de história; a bíblia.

Só depende deles, pensei de novo.

Mas o ser humano ama as tragédias, desgraças, violências, calamidades, desastres, dramas e fatalidades.

Como num filme.

O filme começa. Nos primeiros segundos, a felicidade. No primeiro minuto a dificuldade. A separação. As brigas. A doença. O medo. A revolta. O choro. O revés. A tristeza. O rancor. O terror. E nos últimos segundos, em letras de forma brancas, escrito a frase: "E viveram felizes para sempre."

Moral da história: o final feliz fica por conta de vocês.

Só depende deles olhar para a outra janela.

Olhei o relógio de novo - 18:25 -, puxei a corda e um som de cigarra gritou alto dentro do ônibus. Eu precisava sair daquela plateia de filme de horror.

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