sexta-feira, 14 de março de 2014

Forgive me, Father. III





Entra um rapaz assustado, com os olhos injetados de terror e medo.

- Padre, eu descobri que tenho câncer terminal.

- Sorte sua. - disse o padre.

- Você é louco? Estou morrendo, não percebe?

- Como um bom cristão - disse o padre em um tom desdenhoso e irônico, quase zombeteiro -, você devia saber que a morte não é o fim da vida.

E deixou escapulir um som. Foi quase um riso.

- Mas não quero morrer. O que vou fazer agora?

- Agora você está livre!

- Não entendo, padre. Estou livre de que?

- Filho, nós, seres humanos, temos consciência da nossa própria vida, sabemos que estamos vivos, e que um dia iremos morrer, e isso é o que nos diferencia dos pobres animais. Mas temos a ilusão que a morte se atrasa, não sabe nosso endereço ou não se importa muito conosco. Pensamos que o dia da nossa morte nunca chegará. Porém, agora, você tem a certeza do fim da sua vida! A morte carimbou no seu peito um prazo de validade.

O rapaz olhou torto.

- Economias - continuou o padre. -, garantias, promessas; isso tudo não importa mais! Você pode largar o seu empreguinho de merda e conhecer os lugares que sempre teve vontade de conhecer. Acordar meio-dia, não pagar o cartão de crédito, andar de balão, transar na rua, andar por aí.

O padre estava empolgado. A impressão é que trocaria de vida com o rapaz no mesmo instante.

E continuou:

- Cara, você teve a sorte de saber, por antecipação, que você vai morrer. É como se a morte mandasse um aviso pelo correio, uma carta com letras de forma dizendo que está ela chegando para uma visita, entende?

O sujeito fez cara que não.

- Junto com a carta, filho, você recebeu a chave que te liberta das algemas imaginárias do sistema. Agora você pode fazer o que sempre teve vontade de fazer de verdade, e por algum motivo deixou pra lá, pra depois. Agora você encontrou um motivo de verdade para viver.

O rapaz apertou o queixo, mexendo de leve na barba por fazer. Estava pensando.

O padre disse, dando ênfase em cada palavra:

- Verità è visibile solo attraverso gli occhi della morte.

- Quê?

- É italiano. Parafraseei alguém que não me lembro o nome. Mas era muito esperto por sinal.

- Humm. E o que quer dizer?

- "A verdade só pode ser vislumbrada através dos olhos da morte."

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