quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ampulheta



Você limpou o suor da testa com as costas da mão e gemeu bem alto. E tudo o que você queria, naquele momento, era ser amada de verdade por alguém que não fosse você mesma. De repente você não tinha pressa e não se sentia atrasada para nenhum sentimento cru, mal-passado ou no ponto. Você simplesmente o devorava. E isso te fez engolir a semente da vida, e da ambiguidade.

Seu lindo corpo mudou depois de germinar o bendito fruto por nove meses e isso assustou você. Sua insegurança era tanta que agora você conta de cinco em cinco até para falar as horas corretamente em um relógio analógico, onde os ponteiros dos minutos são marcados apenas por alguns ilegíveis riscos. Isso porque algum designer influente disse que seria legal brincar com a sua capacidade de adivinhar a precisão do horário de uma forma mais difícil. Algumas estrias aqui, outras ali. Aposto que isso influenciou você a apagar a luz durante o sexo, pois ao fim das contas você acabaria vinculando qualquer olhar mais dedicado com um caçador de defeitos ou com algum jurado sobre o corpo fitness. Acho que você deveria parar de comprar aquelas revistas com mãe famosas estampadas nas capas e que ensina como se viver bem.

Mas isso acaba quando  primeiro choramingo vindo do berço azul-bebê, ao lado da cômoda que não combina com o resto dos móveis, chegar bem alto no seu ouvido. E então você acorda e percebe que não ama o homem que dorme ao seu lado todas as noites. Triste, você põe seus pés descalços no chão frio e caminha até a oca do seu neném. A alegria começa a te abraçar timidamente e quando você olha seu filho brincando com o móbile do berço com seus pequenos pezinhos, você consegue tocar a felicidade de uma vida que você odeia. Não demorou muito para você se divorciar de um sentimento que não existia. Você cansou de enganar sua felicidade para iludir a sociedade e si própria.

E isso mostra que, agora, você está mais interessada em amar do que ser amada. Em outras palavras - você trocou seu relógio analógico por algum mais fácil de ler as horas, um digital. Isso deu um nó em sua cautela e em sua segurança, fazendo elas andarem juntinhas, ao lado da sua vontade de não querer saber que horas são.

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