quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Jornal do Bem



Ao passar em uma banca no centro da cidade, Lanna acabou lendo algo que chamou a atenção. 'O Jornal do Bem' esse era o título desse incrível papel reciclado e morno. Depois de desembolsar uma quantia pelo produto e agradecer ao dono da banca, sentou-se no canto da praça, numa grama e começou a foliar este incrível noticiário de utopia. Espantou-se de felicidade com a capa, lá dizia o seguinte: "Todas as religiões fizeram as pazes." Lanna olhou, envergonhada, para seu crucifixo e refletiu:

- "Jah, Jeová, Alá, Deus. Tenho certeza que é a mesma luz com nomes diferente. Cada religião tem seu próprio livro sagrado. No cristianismo é a Bíblia, conta a história de Jesus Cristo. No Islã é o Alcorão, conta a história de Maomé. No Budismo o livro sagrado é o Tipitaka, conta a história de Buda. Todos livros foram construídos, praticamente, em cima do mesmo alicerce: Que existe algo superior e bom acima de nós. São parecidíssimos também pelo fato do "nascer impossível". Jesus Cristo nasceu de uma virgem, Buda de uma flor de Lótus. São iguais também pelo fato de plantar o bem, prosperar o amor e abandonar riquezas materiais. Mas, infelizmente, o mundo é dividido por algo que, na verdade,  deveria nos unir."

E continuou a ler. Em seguida veio a parte da política. Dizia o seguinte: "Acaba a corrupção no mundo." Lanna olhava empolgada para os lados, verificando se alguém estaria absorvendo as mesmas notícias agradáveis que ela. Os olhos percorriam rápidos as palavras, quando terminou de ler o artigo pode refletir novamente:

- "Acabando a corrupção, acaba tambem a miséria. Acabando a miséria, acabariam as guerras e consequentemente acabaria a necessidade de uma defesa civil, pois estaríamos em paz. Sem impostos para o governo, eles não poderiam gastar com coisas inúteis como propaganda eleitoral, armamento ou a estúpida vontade de procurar água ou vida em outro planeta. Tudo isso se tornaria obsoleto e quem ganharia seria o próprio povo. Cadeias se fechariam e escolas abririam. O Governo cairia e regrediríamos para um futuro calmo e tranquilo, assim como está escrito em qualquer livro sagrado de qualquer religião. O sistema aplicado seria o Socialismo puro. Os ricos se envergonhariam de ter mais que os outros e igualizariam suas fortunas com os mais humildes. Escolas e Hospitais seriam todos públicos, todos estatais, pois agora só existiria a vontade de ajudar e não de lucrar. As etiquetas cairiam, suas grifes caras não seriam mais um gesto de superioridade herdado de sua condição financeira elevada, e sim um gesto de pequenez espiritual e fragilidade pessoal, seria um verme menosprezado pela visão pública. Seria apenas um Burguês filho-da-puta!"

Lanna agora podia enxergar o sorriso no motorista de ônibus, no vendedor de pipoca. Todos com o mesmo respeito social, a mesma importância na sociedade. Os homens que limpam nossa cidade agora trabalham com dignidade e não pulam de alegria apenas no carnaval. As Boas-tardes são sinceras dos balconistas do Mc'Donalds, os mecânicos só consertam o que realmente precisam ser consertado.  O encanador poderia ser feliz, pois seria muito bom em que trabalhou e estudou sua vida inteira e ainda ser um privilegiado social, pois teria a mesma importância de um bombeiro, de um carteiro, de um salva-vidas, de um biólogo, de um fotógrafo, de um cineasta, de um professor.. enfim, seu valor social seria íntegro. Olhou ao redor e viu que estava vivendo aquele sonho mundial, onde ninguém nunca fez nada para realizar. Simplesmente estava acontecendo, bem ali mesmo, em sua frente. Molhou a ponta do dedo indicador direito com a língua e revirou mais uma página. A matéria a seguir falava a respeito do esporte. Dizia o seguinte: "Jogadores de futebol, assim como os demais esportes, jogam apenas pelo prazer, por diversão." Lanna releu para confirmar o que dizia a notícia e em seguida refletiu consigo mesma:

- "A descapitalização do esporte é um passo importante para qualquer cultura. Não seria clichê dizer: "O importante é competir, não vencer."  E claro, assim como toda aldeia tem seu melhor caçador, ainda teríamos os craques do futebol, os mitos do basquete, mas ainda estaríamos lidando com pessoas que gostam realmente do que fazem. Ainda teríamos competições locais, municipais, internacionais e mundias. E Assim como os músicos, os aventureiros e os pesquisadores, eles iriam receber uma quantia pelo o que gostam de fazer. Palmeirenses abraçariam Corinthianos após a final do brasileirão. Os que perderam diriam apenas que tentarão no ano que vem. Os que ganharam afirmariam que foi pura sorte, diriam que o outro time jogou melhor e que se Deus quiser, o camisa 10 do seu time estará estar na minha seleção em 2014. Nessa utopia, toda profissão seria um hobbie e toda competição seria filantrópica."

Sem perder tempo, Lanna avança para a próxima página. Lanna nunca esteve tão excitada em toda sua vda. Ela está abduzindo cada palavra, toda ideia como se sua vida dependesse disto. Tem cravado a seguinte frase na próxima página: " O segredo para amar é . . " De repente, Lanna interrompe sua leitura pois escuta um cacarejo lá no fundo do seu pensamento. Ela procura ao redor e não encontra nada, nenhum sinal de galo ou som. Tenta voltar para o jornal e as letras estão embaraçadas. Olha para o céu e tudo está escuro. Olha para o chão e sente que está caindo de um prédio. Ao acordar desse sonho, desliga rapidamente o despertador de seu celular e olha as horas. São 5:30 de um novo dia. É Quarta-feira e ela está atrasada pro emprego que odeia, no qual só trabalha para comprar coisas que, na verdade, não precisa. Desejou morrer à viver a realidade. Lá estava ela indo para parada de ônibus com medo dos ludibriadores da madrugada, os ladrões, os desfavorecidos sociais. Depois enfrentaria a apatia ao entrar em um ônibus cujo o motorista não retorna o bom-dia, pois detesta a profissão. Logo após se sentaria ao lado de uma pessoa irritante e hipócrita. Allana comprou um jornal e viu mais notícias mortais entre diferentes religiões, corrupção no governo e sobre uma possível briga entre torcidas organizadas. Pela primeira vez em sua vida, Lanna desejou não ter acordado. Pela primeira vez em toda sua vida, Lanna desejou encontrar seu nome no obituário desse jornal do Mal.


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