domingo, 28 de outubro de 2012

A ligação.




O círculo do narguilé estava repleto de risos e beijos lésbicos. A lua abençoava mais uma noite de pecado e o sol não demoraria muito para aparecer, pois quando sua alma brinca de ser feliz o tempo passa feito canais de televisão em um dia de tédio, muito rápido. O calor que fazia só aumentava o sabor e o prazer de ver mais uma cerveja ser aberta. O suor passeava pela testa dos casais dançarinos, a mangueira do narguilé corria através de mãos encardidas pelo vício do cigarro e sugadas por bocas que diziam coisas impensadas. Uma melodia tocou desigual ao som ambiente, uma mistura de sertanejo e axé ecoou e vibrou no bolso direito de uma calça jeans justa, o celular de Robert estava tocando. O papo interessante com uma mulher de outra nacionalidade o atrasou alguns segundos, mas logo que percebeu quem estava ligando, sorriu, levantou-se apressadamente e sentiu seu coração implodir. Era Linda, sua paixão de infância. Robert apertou o botão verde do seu celular barato, o botão da bomba que explodiria sua madrugada, que daria descarga no seu sorriso duas horas mais tarde.

- Alô? - Disse Robert.

Acendeu um cigarro de palha e deitou-se na calçada. A lua o presenteou e ele sabia disso. Sorriu e agradeceu. Agora o som da música estava longe. Robert queria aproveitar cada segundo dessa ligação inesperada, queria absorver toda intenção mascarada e qualquer sentimento oculto na doce voz de Linda. 

A voz do outro lado da linha, audivelmente alterada por álcool, Linda disse rouca, gritando e feliz:

- Onde você está?

Linda ignorou etiquetas pregadas pela sociedade e por revistas de bons-modos. Não perguntou sobre seu estado de saúde ou como foi seu dia. A pressa na voz de Linda a denunciou. O simples fato dela apenas perguntar sua localização só queria dizer uma coisa; Ela queria encontrá-lo agora mesmo! E ele sabia disso. Robert se apressou em responder e disse:

- Guará. Estou no guará com alguns amigos. 

Robert já imaginava o abraço, suas mãos deslizando nas costas de Linda. O talvez do beijo, a certeza do sentimento. O deleite do olhar, do tocar. Robert queria apenas sair do presente e caminhar com o passado, de mãos dadas, em direção ao futuro. 

Linda murmurou negativamente pelo telefone. Robert reconheceu seu resmungo de decepção. Talvez esse bairro de Brasília esteja muito longe de onde ela se encontra. Mas a distância não é um problema, não quando se trata do poderoso e impiedoso amor. Para esse sentimento a palavra empecilho não é encontrada no dicionário e também não é pronunciada por sua boca. Para não perder o entusiasmo de ambos, Robert garantiu que chegaria até ela de uma forma ou de outra. 

- Me fale onde está e irei até você, meu bem.

Linda afirmou que estava em um barzinho reservado na Asa sul. Robert fantasiou, apostou que Linda estaria com um vestido florido curto demais para uma moça de pernas tão finas. Imaginou sentindo aquele perfume que lembra épocas de Cosme e Damião, tempos de férias em família.

Robert estava surdo de tanto que sua imaginação gritava, assim não pode escutar o tic-tac do relógio dizendo que faltavam apenas 30 minutos para uma mágica acontecer; Um riso iria sumir de seu semblante.

Nostálgico, Robert dirigiu rápido rumo a única ditadora que conseguiu mudar seu coração anarquista de partido, voou para os braços da única garota que já amou nessa vida. Robert atravessaria o atlântico apenas por um abraço de Linda, cruzar a cidade foi moleza. Ao chegar ao boteco, grades o prenderam. Olhar atento. Robert procurava uma garota de cabelos ruivos e longos, branca e alta. Não a encontrou e não podia entrar. Uma placa informativa dizia que a entrada de qualquer pessoa do sexo masculino custaria R$ 50 reais. Sem dinheiro para entrar no recinto, Robert não poderia mais chegar de surpresa. Tirou o celular do bolso de sua calça apertada, buscou "Linda" na agenda e reparou que apesar de tantos anos, seu nome ainda estava com aquele coração tosco na frente, "Linda <3"  Mãos suadas, coração acelerado, dúvidas, certezas, medo, alegria, desespero e por fim, silêncio. Robert misturou sentimentos quando apertou aquele botão, como de um liquidificador. O telefone chama. Um toque, dois, três, finalmente quatro e alguém responde. Com certeza não era Linda. A voz do outro lado do telefone era ameaçadora, conhecida, robotizada e incrivelmente capaz de causar náuseas. A misteriosa voz disse:

- "O número que você ligou não atende no momento e não tem caixa postal. Por favor, tente mais tarde!"  

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