terça-feira, 23 de outubro de 2012

A ponta do Iceberg



Na varanda de sua casa, Uriel proseava com com seu amigo Renan. Era uma conversa despretensiosa sobre putaria, mulheres, sobre o mundo e a vida. O álcool do Bacardi entrelaçou-se com idéias entaladas na garganta, abrindo assim todas as gaiolas da verdade. Vomitando sinceridade e segurança, Uriel afirmou:

- Renan, você tem prazer em ver suas mulheres chorando, se humilhando. Você é um psicótico, um sádico social. Para você, as lágrimas tristes dessas garotas valem mais que seus lindos e alegres sorrisos. Você esbanja honestidade e depois as envolve em solidão. Renan, você corta apenas uma das asas de seus pássaros, impossibilitando deles voarem para longe de sua deteriorada vida sentimental. Você as enjaula em uma prisão sem grades. O desequilíbrio emocional que você causa é tão grande, que, mesmo sofrendo, elas buscam abrigo em seus espinhos.

Uriel se calou, como quem organiza seus pensamentos. O silêncio foi quebrado apenas pelo som de estalar de dedos e pescoço que evidenciava o nervosismo e constrangimento dos dois amigos. Não havia raiva em suas frases, foram apenas palavras sinceras depois de anos observando o comportamento doentio de seu amigo, Renan. Não havia indiferença no seu comportamento, os dois sairiam dali igualmente como entraram; amigos. Se pudesse editar e classificar seus pensamentos, categorizaria apenas como auto-ajuda. Renan sentiu que se deitou forçado no divã de Uriel. Renan acendeu um cigarro, cruzou os braços e o olhou com frieza e submissão. Ele sabia que o discurso de seu amigo não havia chegado ao fim. Renan percebeu que Uriel era um iceberg, sabia também que estava vendo apenas a ponta de seu raciocínio dedurador e ríspido. Ambos enxeram seus copos com mais Bacardi e Uriel continuou a falar, agora com mais álcool em sua corrente sanguínea. Uriel limpou o suor com as costas da mão e continuou, agora um pouco mais áspero:

- Seus relacionamentos são todos uma catástrofe, Renan. Veja quantas mulheres incríveis passaram pela sua vida nesses últimos três anos. Por quê não namorou garota do queixo grande e engraçado, que adorava assistir filme e dançar na chuva com você? Por quê não facilitou as coisas com aquela menina do cabelo, que é digno de elogio, e que combinava tanto com sua personalidade e desejava ter a mesma profissão que você, meu caro? Por quê não acreditou naquela mulher de caráter forte, que rezava tanto por um futuro contigo? Por quê não se entregou para aquela garota de olhos claros, que você garantia fazer somente amor? Por quê não persistiu num futuro com aquela garota morena de olhos grandes que você estava perdidamente apaixonado? Porra, por quê não se casou com O Grande Amor da sua vida?

Renan tragou forte o restante do cigarro, em seguida tomou o que sobrou da Bacardi a cowboy, de uma vez só. Seu olho lacrimejou por alguns segundos, mas ele também o engoliu seco.

Uriel continuou:

- Por quê você simplesmente não dá um basta? O desastre psicológico na mente delas é tão intenso que hoje elas podem te amar, e amanhã elas podem te matar. A linha tênue, entre o amor e o ódio, está cada vez mais fina dentro da cabeça dessas moças. O amor é como um palito de fósforo: Não pode ser riscado duas vezes, mas você teima em reascender essa chama, desgastando e corroendo cada vez mais a vida delas. Sei que você é danificado, amigo. Seja flexível. Você é uma pessoa boa, mas causa um mal terrível a essas garotas. Talvez se ...

Um estouro! Renan, gritando, interrompe Uriel e diz:

- Porra! Chega! Uriel, você tem nome de anjo mas me julga como o próprio Deus. Minha vontade não é surfar nas águas salgadas saídas dos olhos de ninguém. Se alguns relacionamentos meus acabaram, todos foram por culpa dessas filhas-da-pu ..

Renan se cala. Ele percebe que tudo que Uriel disse era incontestavelmente verdade, reconhece e admite, para si mesmo, que tudo que sairia da sua boca dali por diante seria uma tentativa inútil de ludibriar alguém que o conhece tão bem. Era um iceberg grande e seu Titanic afundou ali mesmo, na varanda da casa de seu amigo, com cigarros e álcool. Renan pôde pousar suas lágrimas no melhor aeroporto do planeta, no ombro de seu grande amigo, Uriel. Renan, soluçando, suspirou falho e tirou forças do fundo do seu lamento para poder expressar, com honestidade, o que realmente sentia. E disse:

- Eu sou o culpado, somente eu. Eu sou o culpado disso, disso tudo!

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