terça-feira, 25 de setembro de 2012

Uma noite no Rio de Janeiro



No coração do Rio de Janeiro, Rhyder admirava o mar e a noite. Céu tão estrelado e sem nuvens, sem lua. Estava perfeito para uma noite sossegada. Sem risco de chuva, assim sua fogueira poderia lhe aquecer durante a noite inteira. Ele brincava com as estrelas, contava as maiores e sorria toda vez que perdia a conta. Sentiu-se culpado por ser um amante da lua e não estar sentindo um pingo de saudade. Refletiu por alguns segundos e divagou consigo mesmo:

- "De vez em quando é preciso deixar de ver o que mais brilha em você para poder perceber o que também reluz no seu ser. O mérito é do todo, mas os detalhes fazem toda a diferença. Você pode passar sua vida inteira admirando a beleza lua, mas o homem só dobra o joelho e faz pedido, quando aparecem as raras e incríveis estrelas cadentes rasgando nosso céu." 

O oceano estava calmo. As ondas chegavam aos seus pés preguiçosamente, molhando sua tornozeleira de couro e banhando seus calcanhares, tirando toda a areia que massageavam seus pés. Negro, alto, magro e parcialmente tatuado. Um homem com enormes marcas de riso no rosto. Uma pessoa não treinada ou leiga sobre a alma deste rapaz, poderia apostar sua vida que existe tatuado um riso em seu rosto. Muitas cicatrizes e nenhum rancor. Espírito jovem, renovável. Uma criança, que perdoa o amigo que roubou seu brinquedo, pelo simples fato de não querer brincar sozinha. Um homem que não julga mais a si mesmo, pelo complexo fato de saber que não se deve fazê-lo. Seus dreads estavam soltos e balançavam de acordo com a dança do vento.  Estava fazendo as pazes com a Mãe Natureza. 

De repente, um homem bêbado surge gritado:

- Eu te mato desgraçado! Você roubou a minha vida, seu filho da puta!

Os gritos tinham um gosto de whisk caro e cigarro de menta. O terno, agora amarrotado, parecia ter um valor monetário alto, o mesmo se pressupunha sobre os sapatos e o corte de cabelo. O homem rico e bêbado chamava-se Tyler. Havia sete horas que Tyler soube da traição de sua noiva, Nívea.

Rhyder não estava entendendo nada. Mostrando as palmas das mãos, um gesto de submissão, ele tentou acalmar o homem irado.

- Espere aí, irmão. Eu o quê? Roubei o quê? Acho que você me confun.. 

A prosa pacífica de Rhyder foi interrompida por um soco revoltoso e desequilibrado de Tyler. Rhyder caiu no chão feito fruta madura, como chuva de verão. Enquanto Tyler usava sua espada como ataque, Rhyder usava seu escudo como defesa. Depois de socos e sangue, Rhyder conseguiu imobilizar Tyler, e disse:

- Cheguei de Brasília hoje, não sou quem você procura! Essa é briga é tão desnecessária quanto um feriado num domingo. Vamos nos acalmar e conversar, afinal, você está degladiando com a pessoa errada.

 Ódio, uma garrafa de Whisk e duas doses de medo anestesiaram a lucidez de Tyler. Com tanto suor, um pouco do álcool saiu em forma líquida entre os poros do homem enraivecido, facilitando assim o uso de sua razão. Sentindo a respiração do refém voltando ao estado normal, Rhyder frouxou um pouco o nó que seus músculos faziam ao redor do pescoço de Tyler e deu liberdade ao homem preso em seus braços. Tentando esclarecer os fatos, Rhyder disse calmamente:

- O que houve, irmão?

Chorando, Tyler respondeu:

- Pensei que fosse você. Confundi você com o cara que roubou minha garota, Nívea. Você se parece muito com o homem que a tomou de meus braços. Ela é o amor da minha vida. Jamais vou conseguir viver sem ela.

Rhyder sabia de três coisas; A primeira era que ele sabia que esse homem conseguiria viver sem sua garota, Nívea. A segunda é que ele sabia que era um assunto bastante delicado. E por último, também sabia que não era amor coisa nenhuma! De repente as palavras lhe escapuliram pela boca:

- Há quanto tempo conhece Nívea?

- 2 anos. - Respondeu Tyler, confiante que sua resposta justificaria suas atitudes.

- Você aparenta ter uns 40, 42 anos. Pelo cheiro do seu hálito, você fuma e bebe. É claro que a nicotina e o álcool lhe acrescentaram alguns anos a mais. Eu diria que você tem 36 anos. Se minhas contas estiverem certas, você passou 34 anos vivendo sem a atmosfera que lhe faz respirar. Bom, você consegue sim viver sem ela, fato! Não era amor, olhe para você. Bêbado, sujo e sangrando por alguém que deve estar se divertindo com algum homem de cor. O amor é benigno, não te faz sofrer. O amor está sorrindo por aí, e não arrancando o que lhe resta da sua dignidade. O amor não é um câncer. O amor não é hostil, não batalha, não é cruel. Amar é assinar um acordo espiritual sem ler as letras miúdas no rodapé do contrato. É investir todas suas fichas de uma vez só. Amar é aceitar seu fim, mesmo que para você seja apenas o começo. Amar uma pessoa é aceitar sua decisão, é poder andar por aí com um sorriso que não é seu, pois você finge sua própria alegria só para não embaraçar o riso da pessoa amada. Se você, Tyler, amasse mesmo a Nívea, estaria silenciado sua dor para poder escutar a alegria dela.

Tyler olhou para aquele homem durante alguns segundos, tentando imaginar como uma pessoa seria capaz de ser tão sensível assim, tentando convencer-se de que ele seria algum tipo de alucinação. Um maltrapilho estava lhe dando uma lição sobre o amor. Tyler refletiu por alguns minutos. O desconhecido havia acertado sua idade e seu sentimento. Era um deus? Um anjo da guarda? Já se sentia sóbrio quando teve a certeza que, realmente, não era amor.

Rhyder continuou:

- E guerrear com o homem que sugou sua querida Nívea não irá adiantar nada, não irá traze-la de volta. Minha família inteira morreu afogada em um cruzeiro pelo pacífico do sul, mesmo assim nunca cravei nenhuma batalha contra o mar. Aprenda a perdoar, mas primeiro se perdoe. Quando eu aprendi a me perdoar por não estar com eles no cruzeiro, eu pude perdoar o mar. Hoje a maré me faz massagem em meus pés e conforta o meu luto com carinhosas doses de água salgada. Seu choro de arrependimento é eterno. Eu perdoei o mar.

Tyler chorou e chorou mais ainda. Percebeu que encontrou sua paz numa gaveta dentro da boca de um desconhecido. As palavras de Rhyder, adormeceram a raiva de Tyler. Estava em paz, sossegado. Entre os socos que deu e as palavras que ouviu, percebeu quem sentiu mais dor naquela noite, foi a nocaute com um discurso honesto vindas de um homem de bem.

- Você é um deus, um anjo da guarda, um amigo que quero ter para o resto de minha vida. Obrigado, irmão. Estou em paz. - Disse Tyler, arrependido e alegre.

Rhyder, gentilmente, respondeu:

- Os homens usam seus deuses para justificar suas próprias vontades de seguirem instintos primitivos de guerrear e destruir! Guerras santas, corrupção favorável há uma nata de pessoas que estão no poder. Dividir pessoas por causa de uma crença que não seja a que me idolatre, que não seja a mesma que a minha, isso tudo não simpatiza com o que eu vivo e acredito. Não sou um deus, pode apostar. Em todos as gravuras de livros, os anjos têm sempre o mesmo estereótipo: Brancos, loiros e com cachos lisos. Tampouco sou um anjinho, acredite. Mas posso ser para sempre seu amigo. Isso eu posso e faço questão de ser. Entenda, Tyler, eu sou apenas uma criança que procura o bem, sou amigo da paz e brinco de ser feliz. Venha cá, sente-se perto da fogueira. Deixe-me te contar uma frase que pensei hoje mais cedo, é a seguinte:  "De vez em quando é preciso deixar de ver o que mais brilha em você para poder perceber o que também reluz no seu ser [...]."


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