domingo, 9 de setembro de 2012

Nasce, trinca e quebra



E então eu consegui arrancar, sem força, a película fumê que vestia seu corpo de vidro. Dia após dia eu, sem pressa alguma, descascava um pouco do seu escudo natural e absorvia algo novo. Minha curiosidade de criança e sua forma apressada de conhecer almas brincaram feito irmãos, caminharam de mãos dadas no fim de alguma tarde de calor. Passei a enxergar através do seu ser, já não vejo o puto do meu reflexo. Desenhava nossas iniciais em você o tempo todo. Esboçava com meu dedo indicador no seu vidro transparente e embaçado pelo mormaço do meu hálito, você sorria do quão bobo e significativo era isto.
Desatenção, um pouco de descuido, um deslize. Você se quebrou! Teu vidro se espatifou e hoje sangra minha mão quando vou te tocar pela manhã, quando tento te reciclar na noite. Hoje são só palavras embriagadas e cosméticas, vazias. O sexo passou a ser por esporte. O que era uma visão límpida se tornou num borrão de rancor e medo. Entre um beijo e outro, eu faço a mesma pergunta para mim mesmo; Será que quando as cervejas e vodcas esvaziarem, o sol raiasse e a festa acabasse, eu ainda seria aquele mesmo cara que cultivava seu riso bêbado e seu orgasmo no dia anterior? A resposta é sempre uma briga, nada de beijo e um olhar zangado durante a ressaca. Dedico então o começo do meu dia a contar as bitucas de cigarros espalhados pela casa e jardim. Um jeito de matar o tempo e relembrar das danças, dos beijos, dos abraços, dos cigarros compartilhados, dos amassos no sofá, das loucuras no banheiro e de todas as nojeiras jubilosas do dia anterior. Sentia que estava apaixonado ali mesmo, vendo você soltar o último vestígio de fumaça da sua boca e nariz simultaneamente, depois de uma bela tragada no narguilê. Sentia também um pesar enorme vendo todo essa paixão sendo sintetizada pelas circunstâncias, você se pintou, envelopou cada pedacinho seu de negro fosco. Não vejo mais nada! Não vejo além e nem o meu puto reflexo. Vejo apenas o amor sendo sugestionado a nunca acontecer devido a jamais ser pronunciado por nenhuma das bocas que se encostam ou discutem, porquê elas apenas se calam!

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