quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Luanda





Você veio em minha direção com um andar tímido, os joelhos estavam pra dentro, quase encostando um no outro. O copo em sua mão tremia um pouco, quase imperceptível para um olhar não treinado. Você me serviu um pouco de água e eu agradeci, tentando algum contato visual. Você assentiu apenas, com a cabeça, enquanto observava o próprio pé, ou o chão. Estava envergonhada e isso era óbvio. Eu despertava esse certo tipo de desconforto nas garotas que eu queria provocar. Mas com você foi diferente. Eu não queria apenas o flerte de shopping, muito menos frases de elevador. Eu queria mais. Meu objetivo não era apenas conquistar a virgindade do seu beijo, era ser o redentor do seu coração, alma e áurea. Minha cabeça girando com as possibilidades entre eu e você, e é nessa hora que a alma de um homem é testada. 

- É você. - pensei.

E como não seria? 

Você foi a pessoa mais meiga que conheci nessa vida terrestre. Seu olhar era só amor, seus sonhos eram alcançáveis com o próprio tato. Você ainda tinha aquele sonho infantil e puro de que tudo daria certo. Seu corpo, pequeno e magrela, expostos apenas em acreditar na possibilidade de que o amor existe e está logo ali, em nossa frente. Seus olhos castanhos acolhiam pupilas que dilatavam em qualquer filme de amor, em qualquer boa ação no dia-a-dia ou qualquer emoção despertada por músicas românticas que tocavam em rádios. Maças do rosto dispostas a serem mordidas por qualquer bom vento que sopre a oportunidade de um beijo sincero. Sua pinta, ao lado esquerdo do rosto, perto da boca, sinalizava em libras, ou em qualquer outra língua desconhecida pelos deuses, o significado da própria paz e sossego. Seu pulso que carregava nossas iniciais, aquecidos pelo sangue quente que o corria a cada palpitação do coração alegre, de quando seu olhar pousava dentro dos meus olhos. A pequena cova em sua bochecha que se mostrava apenas em sorrisos sinceros. Seus brincos, sempre grandes, feitos bambolês, adornavam sua beleza e filtravam tudo de mau que o mundo gritava. Sua língua, sempre com um tom vermelho-alizarina, era, algumas vezes, um convite a beijos, outrora repelente a batons. Sua blusa do exército batalhava apenas em noites de pijama, quando a guerra de travesseiros e sorrisos bobos eram os únicos zunidos vindo do seu quarto de adolescente. Seu corpo estava no começo da adolescência, brotavam alguns traços de malícia, que seria o repouso de um abraço em algum momento difícil da vida de alguém. Os ursos em seu quarto, todos esboçavam um sorriso quase "monalístico" de satisfação por participar do seu sono enquanto o mundo explodia lá fora. Os fios de seu cabelo castanho que cresciam tristes, doentes, sabendo que um dia seriam separados de você em algum momento de suas breves vidas, praguejando aos sortudos que terão a sorte de acompanhar você até sua velhice, causados pela queda natural na produção de melanina em seu organismo. Seu nome, que carregava a trajetória da lua, puxada pela força gravitacional que existe na sua áurea de boa garota, ou atraídos pela sua barriga em detalhes, forçados a rodear para sempre na órbita do seu umbigo, criando um novo sistema de movimento elíptico, no qual enquanto você tira sua roupa e vai para o banho, à todas as estrelas cadentes são concedidas, um pedido ou um desejo, no qual se realizará. Seu cheiro era como o lar.

Foi amor o que eu senti.

Eu sentia que acaso você se tornasse uma estrela do rock, eu estaria ali para ajudar nas overdoses.

Eu te contei uma piada, você sorriu e pronto. Você se entregou de corpo e alma.

Nesse momento da minha adolescência eu era impenetrável, nada podia me tocar ou atingir. E então, no momento seguinte, de alguma forma meu coração batia fora do meu peito, exposto a todos os elementos. Eu não soube o que fazer. Então eu fiz o que qualquer garoto burro faria:

Estraguei tudo.

Eu era danificado demais para aceitar alguma coisa boa na minha jovem vida.

Mesmo assim, eu não percebia o quanto as decisões são importantes até eu escolher uma errada, uma tão fodida que banhariam seus olhos por semanas, meses até. E agora você me olha como se eu tivesse estuprado seu gato com o dedo. E eu te entendo completamente. Minha falta de responsabilidade com o controle de natalidade fez de você a piada da sua família, e não tinha nada que eu pudesse fazer a não ser me afastar, como o covarde que aprendi a ser depois de decepcionar a pessoa mais cheia de amor que conhecia até então.

[...]

Anos depois

[...]

Os olhos se fechavam aos poucos, deixando a intuição guiar para um beijo. E no limiar do quase breu e vi todo o nosso futuro pela frente. Quando sua pequena boca tocou desproporcionalmente a minha, eu não pensei em mais nada. Depois de algumas músicas, o beijo finalmente acabou, e eu disse:

- Eu não lembrava do quanto era bom.

Você respondeu:

- Eu nunca sequer esqueci.

Você disse sustentando o meu olhar, dessa vez sem a menor timidez.

A fumaça encheu a sala.

E nós nos dissipamos com a mesma rapidez.

Um da vida do outro.

n.e.o.q.e.a.v

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