A moça que entrou no confessionário tinha uma marca de sol do dedo anelar esquerdo e um olhar condescendente no rosto. Ela tolerava o mundo, suportava o renascer da sua própria alma depois de um divórcio premeditado - e tudo o que ela precisava era um pouco de compreensão.
- Padre, perdoe-me pois eu pequei.
- Pois não, minha filha. Em que posso ajudar?
- Larguei o meu marido faz 3 meses, e agora eu sou independente. Estou atrás do meu orgulho como mulher. Jamais me casarei novamente!
- Não me diga...
- Como assim?!
- Separações. Eu fico um pouco triste, entende? Afinal eu casei a cidade inteira... Inclusive você e seu ex-marido.
- O senhor não teria um padre, ou bispo, para poder se confessar e contar suas próprias tristezas? Não posso absolver o senhor, padre.
- Desculpe, perdi o foco. Continue...
Ela organizou os pensamentos sem saber o que dizer.
- Mulheres divorciadas - disse o padre. - me fazem ter um tipo de honestidade sexual aflorada. Até hoje não sei por que. Mas me diga, minha filha...
- Pode me chamar de viúva - ela disse em um tom amargo, interrompendo o padre. -, pois aquele verme morreu para mim!
- Não me diga...
- Como disse?!
- O que você procura, moça?
- O amor-próprio.
- Não posso te ajudar - disse o padre -, aqui nós ensinamos a compartilhar o amor, não a escondê-lo só para si mesma. Você está associando o sagrado e hipócrita laço do matrimônio com a miserável oportunidade de ser infeliz para o resto de sua vida. O casamento devia ser um rótulo para a felicidade, e não uma mola propulsora pra a liberdade do divórcio.
- Não acho que me amar seja pecado, padre.
- E não é. Você desacreditou do amor compartilhado, dividido. O mundo não precisa disso. O amor-próprio é revolucionário, motivador e poético, mas com certeza não é a resposta. É bastante contemporâneo, mas amar a si mesmo, e somente a si mesmo, é fuga de ser o que você nasceu pra fazer: amar o próximo.
- Por quê? - perguntou a moça, como se ele não tivesse uma resposta satisfatória que justificaria sua ideia anterior.
- Porque amar a si mesmo, e fazer disso a sua motivação de vida, é como fazer cócegas à si mesmo; não tem a menor graça.
Ela passeou, de leve, com a ponta do dedo indicador direito em cima da marca de sol que a aliança deixou, e refletiu por alguns instantes sobre as gargalhadas que deixará de dar seguindo esse caminho tão solitário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário