foto: ponta de uma caneta esferográfica azul.
Você assinou seu nome do jeito que eu sempre amei: A primeira letra num impulso involuntário, o restante redondo, concentrada, sem tirar o punho da folha, voltando apenas para cortar a letra T e pingar o I. E assim você assinalou todas as quatorze folhas - frente e verso - do nosso divórcio, com aquela caneta esferográfica azul.
[15 anos atrás.]
O pub estava cheio, como de praxe. Eu estava escrevendo um romance acompanhado de meus melhores amigos - um maço de cigarro e qualquer cerveja que meu pouco dinheiro podia comprar. Foi exatamente nesse momento que você entrou por aquela porta sem adornos. E foi nesse mesmo instante que eu deixei de escrever o meu romance para tentar viver um.
- O que está escrevendo? - você perguntou.
- Nada refinado ou complexo. Provavelmente está uma merda. Está tão pacato e simples. - eu disse.
- Sempre acreditei que a simplicidade fosse o último grau da sofisticação.
Me calei, sem graça. Passeei o olhar por entre minhas folhas jogadas, desorganizadas pela mesa.
- Mas e essa bagunça?
- Para combinar com o meu cabelo e minha vida.
Agora foi você quem se calou. Mas apenas por alguns segundos.
- Do que se trata? Aposto que é uma história de amor. - você insistiu.
- Claro! É sobre uma moça que faz perguntas demais para um escritor fracassado em um bar de quinta categoria e eles acabam ...
- Se casando? Se apaixonando?
- Transando.
- Engraçadinho..
Eu não sabia o que dizer. Você tinha esse poder de inventar uma nova estação do ano. De me deixar sem graça e me fazer sorrir ao mesmo tempo. Tinha esse jeito de passar a mão no cabelo para bagunçar ainda mais o seu penteado largado.
- Não quero te atrapalhar, moço. Mas agora você já tem uma boa história para contar.
- Espere. Anote aqui seu número. Aposto que vai ser a tinta mais bem gasta dessa noite.
E então você pegou a caneta, escreveu seu número em uma das folhas, me olhou e sorriu.
- Você sabia que a bolinha na ponta dessa caneta é de carbureto de tungstênio, um metal usado em balas de revólver?
- Vou tentar não matar você de tédio enquanto estiver lendo meus textos.
E sorrimos.
[Agora, de volta ao divórcio.]
- Lembra da bolinha na ponta da caneta?
- Sim! - você disse com raiva.
- Acabei te matando, certo?
- Não.
- Mas você está nos matando agora.
- Não! Eu não posso me matar, pois eu me suicidei no dia em que te conheci, porra!
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